FAVORES DE COMPADRE

Por: Nelin Vieira



“Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito...” O cantor e compositor Milton Nascimento, autor desta frase, morreria de inveja se conhecesse uma dupla de amigos-compadres ou compadres – amigos, que mora em São Mateus do Maranhão, o João Besta (que não tem nada de besta) e o seu vizinho, Mané Sorriso. São pequenos comerciantes, residem na mesma rua, têm quase a mesma idade; são casados com as irmãs Doralice e Doracilda; têm gostos bastante parecidos; a mesma quantidade de filhos; são barulhentos torcedores do time Manda-Brasa; só estudaram até o 4º livro, gostam de pescaria, de briga de galo, e nos finais de semana, não relaxam um interminável churrasco, regado a Pitu com Coca-Cola, acompanhado de um repertório bastante variado, que vai de Bartô Galeno a Frank Sinatra.

Eles são tão amigos, que só umas seis pessoas – as mais íntimas da família - chegam a tomar conhecimento do que realmente ocorre entre os dois compadres, toda vez que tentam sair da “canoa da amizade” e partem para o mundo dos negócios. O problema, é que João Besta é adepto da “Lei de Gerson” (aquela em que o sujeito sempre quer levar vantagem em tudo), e constantemente se prevalece de sua amizade com o seu amigo e quase parente Mané Sorriso, para lhe pedir todo tipo de favores, sem avaliar a inconveniência e os transtornos que os mesmos têm causado ao seu compadre, além de aumentar, quase toda semana, o maço de “Notas Promissórias”, em seu desfavor, toda vez que viajam juntos, ou quando aparece algum caixeiro viajante em São Mateus, trazendo novidades que interessem aos dois ou somente ao espertalhão João Besta

João Besta tem 45 anos e Mane Sorriso, 46. No dia 13 de dezembro do ano passado (dia de Santa Luzia), resolveram procurar um “médico oculista” porque estavam com problemas na visão (tinham que esticar o braço para ler). O comerciante Mané Sorriso, que gosta de acordar cedo, chegou primeiro ao consultório, pagou sua consulta; e o seu compadre João Besta, além de chegar atrasado (de propósito), pois sabia que seu amigo estava guardando a vaga, ainda terminou sendo beneficiado com a promoção “Pague uma e faça duas consultas”. E, quando abriu sua receita, a alegria foi tamanha, ao constatar que o seu grau, para perto, era o mesmo do amigo Mané Sorriso (+ 4,00 do olho direito e +2,00 do olho esquerdo) e ali mesmo, na frente da vendedora, ele teve a feliz idéia de propor ao seu compadre Mane, que comprasse primeiro os seus óculos, porque, como eram vizinhos e amigos (moram um de frente pro outro), na hora que ele (João Besta) precisasse ler algumas “letrinhas miúdas”, não teria a menor cerimônia, em mandar um menino dos seus, rapidinho, pedir emprestado os óculos do compadre, para que ele fosse se acostumando a usar esse tal de “picinês”.

No mês passado, numa segunda-feira, o comerciante Mané Sorriso se levantou muito cedo, passou a escova no sapato, limpou sua pasta de viagem, tomou café (com leite mungido) ajeitou um pouco sua vasta cabeleira (ele ainda usa brilhantina), e na hora em que estava se despedindo da esposa, chegou em sua casa o compadre João Besta, com umas desculpas meio esfarrapadas, alegando que naquela manhã, também tinha programado uma viagem a São Luís, mas que “por motivos de força maior” tudo tinha mudado de uma hora pra outra, e assim, ele se viu obrigado (mais uma vez), a pedir o prestimoso favor do amigo. O seu compadre Mané Sorriso, nem quis entrar em detalhes, e muito menos saber o que havia acontecido com o seu vizinho, pois, totalmente indefeso, e como das outras vezes, já esperava o bote pra cima dele.

Para dar mais credibilidade às suas palavras, João Besta estava vestido numa calça de veludo, camisa amarela, de mangas (a que ele sempre usa quando viaja), e calçado numa bota sete-léguas. E, enquanto acertava alguns detalhes da viagem com o seu amigo Mane Sorriso, tirou duas listas de dentro de sua pasta, feitas num papel de enrolar pão, e cuidadosamente, com uma caneta Bic escrita fina, foi ticando, juntamente com o seu compadre, os seguintes itens: 1º – cinco bolas de arame farpado, das grandes; 2º- três filtros de barro – de preferência, dos produzidos em Rosário pela família do senhor Luís Martins; 3º - vinte lâmpadas fluorescentes – com recomendações para não queimarem na viagem; 4º - uma bateria de pendurar alumínio -daquelas que mede quase 2 metros de altura e parece com a torre da Embratel; 5º - um jarro dos grandes – esta última encomenda, era a que ele mais fazia questão, pois queria plantar uma muda de uma palmeira Imperial).

Após a conferência das listas, entregou uma para seu compadre, pediu data e assinatura na sua, e antes de se despedir, fez a última recomendação: compadre Mane, compre tudo no seu cartão que depois a gente acerta. Você nem precisa tomar táxi para a rodoviária. Deixe para pegar o ônibus, lá pelas três da tarde (horário em que anda quase vazio), e como você não paga a passagem (entrando pela porta de trás), se precisar de ajuda, não se acanhe. Chame uns dois meninos para lhe auxiliar na hora do embarque e divida com eles, os R$1,50 que você vai economizar do transporte. João Besta saiu em direção à sua casa, e no meio do caminho, lembrou-se de mais um “favor” que ia esquecendo de pedir ao seu amigo-compadre: eram dois jogos da Mega Sena, com números iguais (um para cada). Ao despedir-se novamente do seu compadre Mane Sorriso, desejou-lhe boa viagem e boa sorte na Mega Sena (que estava acumulada), e foi logo lhe alertando: se nós ganharmos esse bolão..., vamos comprar dois carros do ano “igualzinhos”. E, em nossas futuras viagens, iremos no automóvel do compadre – porque eu ainda não me atrevo a dirigir em cidade grande. Milton Nascimento tem lá suas razões: amigo do jeito do comerciante Mané Sorriso é coisa mesmo pra se guardar do lado esquerdo do peito.



Nelin Vieira, filho de São Mateus, sindicalista, publicitário e jornalista. Escreve na revista Almanaque JP Turismo. e-mail: nelinvieira@superig.com.br.

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