DECISÃO
A Coligação Frente de Libertação de São Mateus ajuizou representação, com fundamento nos arts. 30-A e 41-A da Lei nº 9.504/97, em face de Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido, eleitos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de São Mateus do Maranhão/MA, no pleito de 2008.
A representante aduziu que o primeiro representado teria promovido, no dia 3.8.2008, passeata, com ampla distribuição de camisas com o número de sua candidatura estampado. Acrescentou que o candidato, além da camiseta, entregava aos eleitores a quantia de R$ 20,00 (vinte reais), bem como nota de combustível equivalente a 6 (seis) litros de gasolina.
O Juízo da 84ª Zona Eleitoral julgou parcialmente procedente o pedido para, nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, cassar os diplomas dos representados e condená-los ao pagamento de multa equivalente a 10.000 Ufirs (fls. 681-692).
O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (TRE/MA), por decisão unânime, não conheceu do recurso interposto pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus, e, por maioria, deu provimento ao recurso apresentado pela Coligação O Desenvolvimento Continua, Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido. Eis a ementa do acórdão (fl. 905):
ELEIÇÕES 2008. RECURSOS ELEITORAIS. PRIMEIRO RECURSO QUE VERSA SOBRE GASTOS ILÍCITOS DE CAMPANHA. PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE 24 HORAS E NÃO DE 03 DIAS. APLICAÇÃO DO ART. 96, § 8º DA LEI DAS ELEIÇÕES. NÃO CONHECIMENTO. SEGUNDO RECURSO QUE TRATA DE OCORRÊNCIA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. AUSÊNCIA DE PROVAS CABAIS, ROBUSTAS E SÓLIDAS DA COMPROVAÇÃO DO ESPECIAL FIM DE AGIR. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
- Para caracterização da captação ilícita de sufrágio, há que se ter provas cabais, conclusivas do especial fim de agir consistente na finalidade específica de ter o bem sido entregue com o objetivo de captação vedada de sufrágio, condições essas que, no caso, não estão patentes.
Os embargos de declaração opostos pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus (fls. 971-983) e pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) (fls. 992-994), admitido como assistente da recorrente, foram rejeitados (fls. 1.027-1.037).
Interpuseram, então, os recursos especiais eleitorais de fls. 1.041-1.054 e 1.067-1.072.
A Coligação, com base no art. 276, I, a, do Código Eleitoral, sustenta, em síntese, que:
a) a atual jurisprudência do TSE dispensa, para a configuração de captação ilícita de sufrágio, o pedido explícito de voto, exigindo, por outro lado, que o candidato pratique quaisquer das condutas descritas no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, seja participando diretamente, seja anuindo explicitamente com elas, desde que evidenciado o especial fim de agir, que é a obtenção do voto;
b) o especial fim de agir "traduz-se no favorecimento da candidatura, em seu fortalecimento, vale dizer, implica na conduta direcionada à obtenção do voto do eleitor agraciado com a benesse, cuja troca se impõe, porque realizada a doação em período crítico da disputa eleitoral" (fl. 1.044);
c) no caso dos autos, ficou comprovada a entrega em massa de camisas e combustível a eleitores, a pretexto de aderirem a uma carreata realizada pelos representados;
d) os recorridos, ou pessoas ligadas a eles, doaram bens e/ou vantagens para obter o voto dos eleitores, conformando-se tal prática com o tipo previsto no art. 41-A da Lei das Eleições;
e) a intempestividade do recurso eleitoral interposto pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus não impede que o apelo da outra parte devolva ao tribunal toda a matéria debatida nos autos;
f) se o Juiz Eleitoral acolhe um dos fundamentos da demanda - art. 41-A - silenciando sobre o outro - art. 30-A -, a interposição do recurso, seja da representante, seja dos representados, devolve ao tribunal o conhecimento de ambos os fundamentos;
g) ante a clara incidência do art. 515, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil (profundidade do efeito devolutivo), houve negativa de prestação jurisdicional pelo TRE/MA (violação ao art. 275, II, do CE), pois deixou de aplicar as sanções previstas no art. 30-A da Lei nº 9.504/97;
h) o acórdão recorrido, em diversas oportunidades, assenta que os gastos referentes à distribuição de combustível a eleitores, no dia 3.8.2008, em São Mateus do Maranhão, não foram registrados na prestação de constas dos candidatos; e
i) debatido o tema, a violação ao art. 30-A da Lei das Eleições pode ser apreciada por esta Corte Superior, evitando eventual retorno dos autos ao Tribunal de origem (art. 515, § 3º, do CPC).
O segundo recorrente, com base no art. 276, I, a e b, do CE, alega que o TRE/MA violou o art. 275, II, do CE, pois deixou de apreciar as razões deduzidas nos embargos de declaração.
Sustenta que o entendimento do acórdão recorrido diverge da jurisprudência atual do TSE.
Transcrevendo a ementa do acórdão indicado como paradigma - AgR-REspe nº 26.101/CE -, afirma (fl. 1.072):
[...] se a decisão ora recorrida baseou-se expressamente em entendimento anterior, desse mesmo TSE, de que se fazia "necessário que o candidato direta ou indiretamente tenha ofertado a benesse em troca de voto" para a caracterização da captação ilícita de sufrágios, claro está que, atualmente, não sendo mais necessário e sim prescindível esse pedido expresso de votos, há manifesto dissídio entre as duas decisões.
Despacho de admissibilidade dos recursos às fls. 1.082-1.083.
Contrarrazões às fls. 1.095-1.098, 1.100-1.107 e 1.109-1.116.
Parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral às fls. 1.124-1.131, assim sintetizado:
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ART. 45-A DA LEI Nº 9.504/97. I - RECURSO DA COLIGAÇÃO "FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE SÃO MATEUS" . DOAÇÃO DE CAMISETAS E COMBUSTÍVEL EM CARREATA. DEMONSTRAÇÃO DO ESPECIAL FIM DE AGIR, DIRECIONADO À CAPTAÇÃO ILÍCITA DE VOTOS. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 515 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E AO ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97. II - RECURSO DO PARTIDO SOLCIALISTA BRASILEIRO. NÃO REALIZAÇÃO DO COTEJO ANALÍTICO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O JULGADO PARADIGMA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 275, II, DO CÓDIGO ELEITORAL. III - PARECER PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO DA COLIGAÇÃO "FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE SÃO MATEUS" . QUANTO AO RECURSO DO PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, PELO PARCIAL CONHECIMENTO E, NESTA, PELO DESPROVIMENTO.
É o relatório.
Decido.
Analiso, inicialmente, o recurso especial interposto pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus.
O recurso não merece prosperar.
No tocante à indicada ofensa ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97, assinalo que a atual jurisprudência deste Tribunal vem-se orientando no sentido de ser dispensável, para a configuração da captação ilícita de sufrágio, o pedido expresso de votos, conforme sustenta a recorrente. Contudo, há de se verificar se a conduta fora praticada com o fim específico de obter o voto do eleitor.
Nesse sentido, cito os seguintes julgados deste Tribunal:
RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. PROVA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
I - Para a caracterização da captação de sufrágio é necessária a promessa ou a entrega de benesses ao eleitor em troca de seu voto. Precedentes.
II - Ausência de provas robustas para se concluir pela prática de captação ilícita de sufrágio.
[...]
(RO nº 1.462/RJ, DJe de 1.9.2009, rel. Min. Ricardo Lewandowski).
RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. ELEIÇÕES 2006. DEPUTADO ESTADUAL. CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. MANUTENÇÃO DE ALBERGUES. ASSISTÊNCIA GRATUITA. CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESCARACTERIZAÇÃO. PEDIDO DE VOTOS. PROVA. AUSÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A caracterização da captação ilícita de sufrágio exige a prova de que a conduta fora condicionada ao voto do eleitor, o que não ficou provado no caso dos autos.
2. [...]
3. Negado provimento ao recurso contra expedição de diploma.
(RCED nº 665/RS, de minha relatoria, DJe de 1.4.2009)
O Tribunal de origem, analisando os autos, notadamente os depoimentos testemunhais, afirmou não estar comprovada a incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97. As provas foram analisadas pela Corte Regional que entendeu pela inexistência de um dos elementos imprescindíveis à caracterização da captação ilícita de sufrágio, qual seja, o especial fim de agir, consistente no condicionamento da entrega do bem ao voto do eleitor. Não cabe ao TSE reexaminar os depoimentos e demais provas dos autos para verificar se correta a análise da prova pelo Regional (Súmulas nos 279/STF e 7/STJ).
Reproduzo trecho da fundamentação perfilhada no acórdão recorrido (fls. 942-949):
Dessa forma, importa verificar a robustez das provas trazidas aos autos e se as mesmas são suficientes a caracterizar a prática antijurídica levada a efeito pelos próprios candidatos ou por intermédio de terceiros.
No tocante ao conjunto das provas trazidas para o presente feito, vê-se que se constituem em documentais - fotografias, vídeos, notas de combustível - mas, essencialmente, de provas testemunhais. Oportuno frisar, quanto às provas orais, que indiscutível é a sua admissibilidade, porém grande deve ser a cautela de sua valoração, notadamente em se tratando de fatos referentes ao processo eleitoral, onde são extremamente comuns as tentativas de seu desvirtuamento.
Da análise minuciosa dos autos constata-se não existir suporte probatório suficiente a confirmar a entrega de dinheiro ou camisas a eleitores em troca de votos, em que pese haver imagens em vídeos e fotografias de cidadãos vestindo camisas verdes com o número do candidato Francisco Rovélio, o que, em tese, poderia configurar o disposto no § 6º, do art. 39, da Lei 9.504/97, o fato é que nada há nos autos que indique que tais bens teriam sido usados para viciar a livre vontade do eleitor no exercício do seu voto.
[...]
Não tenho qualquer dúvida ao afirmar que do conjunto probatório carreado aos autos não logrou (sic) restou demonstrado o especial fim de agir consistente no aspecto de que o combustível estava sendo entregue em troca do voto do eleitor. E nesse sentido faço questão de registrar que aqui não estamos a exigir, para a presença desse elemento caracterizador da compra de votos, que o suposto aliciador sempre tenha que verbalizar essa intenção, pois por óbvio que o contexto em que os fatos ocorrem podem (sic) levar a essa conclusão.
[...]
Conforme se observa, o contexto da distribuição de combustível deu-se no dia em que se encontrava prevista a realização de uma carreata em apoio à campanha do então candidato Francisco Rovélio, sendo que em todos os depoimentos constantes dos autos restou claro que o combustível fora entregue a eleitores para estes participarem deste evento político que ocorrera naquele dia 03 de agosto de 2008, portanto a quase 60 (sessenta) dias da realização do pleito eleitoral.
[...]
No presente caso, repita-se, não há como enquadrar a conduta de distribuição de combustível como prática de captação ilícita de sufrágio, uma vez que não restou demonstrada (sic) o especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega do bem ao voto do eleitor.
O Tribunal de origem, quanto às provas carreadas aos autos, consignou:
[...] observamos que, ao contrário do que foi afirmado pelos Recorridos, o depoimento de Josevaldo Santos não se encontra isento de contradições. É o que se percebe, por exemplo, quando ao mesmo tempo em que afirma que ¿somente abastecia mediante notas assinadas por Invanildo, Marcos e Bogea" afirma também que ¿Bonifácio, Geisa e Bogea também assinaram notas que foram utilizadas para abastecer veículos que participaram da carreata" . [...]
Constata-se, ainda, que parte das declarações feitas por Josevaldo Pereira dos Santos são contrapostas por outras testemunhas. [...]
Também há contradição no teor das declarações de outras testemunhas quanto aos fatos relativos à distribuição de combustível. É o que se percebe da análise de um suposto encontro envolvendo os Senhores Manoel Sebastião Sousa Moura, Urubatan de Jesus Santos Brandão e Sebastião Nunes Neto, o Neto do Bradesco, consoante os seguintes trechos:
[...]
Importante observar, também, que, ao nosso sentir, ocorreu um descuido na instrução deste Processo, na medida em que pouca importância foi dada às notas de combustível constantes às fls. 23/4. Isso assim se passa porque sequer foi requerida pelas partes, Ministério Público, ou determinado pelo Juiz, à época, a realização de exame grafotécnico, no intuito de descobrir de quem eram as assinaturas lançadas naquelas notas de combustível.
As falhas até aqui apontadas nas provas carreadas aos autos revelam a fragilidade do conjunto probatório trazido ao feito.
Como se vê, a decisão regional está em consonância com a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de que "A aplicação da penalidade por captação ilícita de sufrágio, dada sua gravidade, deve assentar-se em provas robustas, e não em vagos indícios e presunções" (REspe nº 21.390/DF, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12.9.2006).
Para alterar a conclusão do Tribunal a quo, de que "não restou caracterizada a prática de captação ilícita de sufrágio por parte do candidato eleito Francisco Rovélio Nunes Pessoa, diretamente ou por intermédio de terceiros" (fl. 964), necessário seria nova incursão sobre os elementos fático-probatórios dos autos, o que é inviável na via especial, a teor das Súmulas nos 7/STJ e 279/STF.
Ademais, é certo que o tipo descrito no art. 41-A não abrange o fornecimento de utilidade - no caso, combustível - para participação em carreata ou outros eventos de campanha. A propósito, cito o seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL - JULGAMENTO - MATÉRIA FÁTICA.
Por ser recurso de natureza extraordinária, a apreciação do especial esteia-se, sob o ângulo dos permissivos específicos de recorribilidade, nas premissas constantes do acórdão impugnado, ou seja, na verdade formal mediante ele revelada.
DOAÇÃO DE COMBUSTÍVEL - CAMPANHA ELEITORAL VERSUS CAPTAÇÃO DE VOTOS.
A doação de combustível visando à presença em comício e ao apoio a campanha eleitoral não consubstancia, por si só, captação vedada pelo artigo 41-A da Lei no 9.504/97.
[...]
(REspe nº 25.474/BA, rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 7.8.2006)
Quanto à alegação de que houve negativa de prestação jurisdicional, ao argumento de que, ante a clara incidência do art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC (profundidade do efeito devolutivo), deixou a Corte Regional de aplicar as sanções previstas no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, sem razão a recorrente.
Do acórdão integrativo, extraio o seguinte excerto (fls. 1.031-1.033):
Com efeito, não se mostra possível atribuir-se efeito devolutivo a Recurso manifestamente intempestivo, ainda que sob a ótica do efeito devolutivo em profundidade consagrada no art. 515, §§ 1º e 2º da Lei Adjetiva Civil.
Sobre a impossibilidade de analisar a distribuição de combustível, como ocorreu no dia 08 de agosto no Município de São Mateus, como caracterizadora da prática prevista no art. 30-A da Lei das Eleições o voto condutor do Acórdão Embargado foi bastante claro, conforme se percebe do seguinte trecho:
[...]
Dessa forma, ainda que esta Corte Eleitoral não seja obrigada a ficar adstrita aos pontos efetivamente decididos na sentença atacada, a teor do disposto no art. 515 da Lei Adjetiva Civil, o fato é que não poderá fazê-lo em sede de recurso intempestivo.
Por outro lado, este Tribunal, também não poderia ter adentrado na análise da ocorrência de suposta prática de arrecadação ou gastos ilícitos de campanha de que trata o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 quando da apreciação do Recurso interposto (fls. 694 USQUE 744) pela Coligação "O Desenvolvimento Continua". Isso assim se passa porque estando esta Coligação no exercício da defesa do Prefeito e Vice-Prefeito eleitos de São Mateus, Francisco Rovélio Nunes Pessoa e José Maria Teixeira Plácido, jamais poderia ela deduzir outra matéria que não fosse relativa à defesa do atual Chefe do Poder Executivo daquele Município, sendo que esta Corte certamente incorreria em afronta ao princípio da non reformatio in pejus caso viesse a aplicar a tese da devolutividade recursal em profundidade e, reconhecendo a prática de gasto ilícito de campanha, viesse a piorar situação do Recorrente em relação ao que foi decidido em primeiro grau.
Afasto, assim, a alegada violação ao art. 275, II, do CE, porquanto os argumentos apresentados pela embargante foram devidamente enfrentados pelo TRE/MA, que efetivou a tutela jurisdicional, embora de forma contrária ao interesse da parte recorrente.
Com efeito, a Corte Regional não poderia aplicar as sanções previstas no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, porquanto a matéria relativa a gastos ilícitos de campanha sequer foi enfrentada pelo acórdão regional (fls. 934-935):
[...] o fato é que, neste Recurso, não se mostra possível o enfrentamento da matéria relativa a gastos ilícitos de campanha, pois, por óbvio, seria deduzir aspecto não devolvido no presente apelo. É que consoante dissemos alhures, o Recurso interposto pela Coligação "Frente de Libertação de São Mateus", onde seria possível discutir-se questões relacionadas ao art. 30-A, não foi conhecido por esta Corte em face de sua intempestividade.
Ademais, não se sustenta o argumento de que o recurso dos recorridos devolveu ao Tribunal todos os fundamentos do pedido inicial, em razão da profundidade do efeito devolutivo do recurso (art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC).
Na hipótese dos autos, o juiz eleitoral julgou ¿parcialmente procedente a Representação Eleitoral nº 139/2008, proposta pela Coligação Frente de Libertação de São Mateus" (fl. 691). Assim, reconhecendo a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/97), cassou os diplomas de prefeito e vice-prefeito expedidos em favor dos representados e aplicou-lhes multa no valor de 10.000 Ufirs.
Diante da sucumbência recíproca, tanto a representante como os representados recorreram. Entretanto, o recurso eleitoral interposto pela Coligação ora recorrente não foi conhecido por intempestividade.
Não poderia o Regional analisar a indicada violação ao art. 30-A da Lei das Eleições, sob pena de ofensa à coisa julgada, pois tal matéria ficou preclusa ante o não conhecimento do recurso interposto pela representante.
Nos termos do caput do art. 515 do CPC, a devolução da matéria impugnada via recurso de apelação, quanto à sua extensão, tem seus limites determinados pelas partes. Trata-se da aplicação do princípio tantum devolutum quantum appellatum. Em outras palavras, cabe ao recorrente delimitar o objeto do recurso.
Na espécie, somente o recurso dos representados, em que se requereu a reforma da sentença, visto a não comprovação da prática de captação ilícita de sufrágio, foi conhecido. Assim, apenas o capítulo decisório relativo ao art. 41-A da Lei nº 9.504/97 foi impugnado e devolvido ao TRE/MA.
Portanto, correto o entendimento do Tribunal a quo, ao assentar que a análise da ocorrência de suposta prática de arrecadação ou gastos ilícitos de campanha incorreria em afronta ao princípio da non reformatio in pejus.
Por oportuno, transcrevo trecho do voto condutor do acórdão da Suprema Corte - AC nº 112-9/RN, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 4.2.2005:
Quanto aos capítulos devolvidos, o órgão recursal tem, todavia, o poder de conhecer de todas as questões a eles respeitantes, contidas nos fundamentos invocados no processo tanto pelo autor quanto pelo réu (art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC). Em síntese, o órgão recursal tem inteira liberdade para o reexame das questões de fato e de direito debatidas na causa - dentre as quais as de ordem pública -, desde que se atenha aos precisos limites da parcela impugnada do conteúdo decisório da sentença, isto é, dos seus capítulos decisórios impugnados. Essa é, aliás, a opinião comum da doutrina.
Cito, ainda, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO. EFEITO DEVOLUTIVO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE MATÉRIA NÃO IMPUGNADA REAVALIAÇÃO DE PRESSUPOSTOS FÁTICOS E CONTRATUAIS - SÚMULA 07 DO STJ.
1. Pelo princípio do tantum devolutum quantum appellatum o Tribunal, em segundo grau de jurisdição, não conhece de todo mérito discutido em primeiro grau, mas apenas da matéria devolvida por meio do recurso de Apelação interposto, desta forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal não reanalisou aos fatos levantados pela ré na contestação.
[...]
4. Recurso Especial não conhecido.
(REspe no 259.806/BA, Min. Edson Vidigal, DJ de 9.10.2000)
Assim, não há falar em ofensa ao art. 515, §§ 1º e 2º, do CPC, porquanto não se trata, in casu, de um pedido - cassação dos registros ou diplomas - com dois fundamentos - 30-A e 41-A da Lei das Eleições, como alega a recorrente.
Na realidade, trata-se, a rigor, de cumulação de pedidos ou ações. O autor poderia, sem qualquer dúvida, ter proposto as ações separadamente, mas optou por cumulá-las em um só processo. Julgada improcedente a ação em relação ao art. 30-A, competia-lhe recorrer, caso desejasse a reforma da decisão no ponto. Como o recurso foi considerado intempestivo, a matéria foi atingida pela preclusão.
Passo ao exame do recurso especial interposto pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Melhor sorte não assiste ao segundo recorrente.
Ao rejeitar os embargos declaratórios opostos pelo recorrente, a instância regional assentou que (fls. 1.034-1.036):
Vejo que no caso ora em exame, o Embargante não indicou qualquer omissão, obscuridade ou contradição a ser combatida por meio dos Declaratórios. E que apenas se limitou dizer ¿que não teria ficado demonstrado, no entender da maioria, o pedido de votos em troca de voto" . Afirmando, ainda, que, segundo o novo entendimento do TSE, em razão do disposto no recentíssimo § 1º do art. 41-A da Lei das Eleições, não se faz mais necessário o requisito da (sic) dolo específico de obtenção do voto para a configuração da captação ilícita de sufrágio.
Observo, (sic) que os argumentos levantados pelo Embargante não devem prosperar. A uma, porque o citado § 1º da Lei Eleitoral, inserido pela Lei nº 12.034/09, de 30 de setembro de 2009, sequer existia ao tempo em (sic) fora proferido o julgado, por isso esse dispositivo não se aplica ao caso; a duas porque os Embargos também não se prestam a discussão de teses não discutidas quando da prolação da decisão embargada, ou seja, a questão não havia sequer sido trazida a este Tribunal [...].
Assim, não merece acolhimento a aventada violação ao art. 275, II, do CE, porquanto os argumentos apresentados pelo embargante foram devidamente enfrentados pelo TRE/MA, que efetivou a tutela jurisdicional, embora de forma contrária ao interesse da parte recorrente.
Verifico, ainda, que o dissenso jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, ante a ausência do necessário cotejo analítico. Não é suficiente a simples transcrição de ementa para evidenciar a similitude fática e a divergência de entendimento entre o paradigma indicado e o julgado recorrido.
Ademais, observo que o relator designado para lavrar o acórdão regional, além de consignar que, do conjunto probatório dos autos, não ficou demonstrado o especial fim de agir, fez questão de registrar: "não estamos a exigir, para a presença desse elemento caracterizador da compra de votos, que o suposto aliciador sempre tenha que verbalizar essa intenção, pois por óbvio que o contexto em que os fatos ocorrem podem (sic) levar a essa conclusão" (fl. 944).
Tenho, portanto, como não demonstrado o dissídio pretoriano, uma vez que a decisão regional se harmoniza com o paradigma colacionado.
Ante o exposto, nego seguimento aos recursos, com base no art. 36, § 6º, do RITSE.
Publique-se.
Brasília-DF, 24 de junho de 2010.
0 comentários:
Postar um comentário
Para fazer comentário use sua Contas do Google como a do gmail, orkut entre outros. Qualquer comentário aqui postado é de inteira responsabilidade do seu autor.Comentários com palavras ofensivas e xingamentos serão excluídos.É livre a manifestação do contraditório desde citado o titular. De já agradeço.