ENTREVISTA: JORGE MORENO
POR OSWALDO VIVIANI do JP
Em entrevista ao Jornal Pequeno, o juiz aposentado Jorge Moreno deu detalhes do episódio que resultou em sua prisão e de outros dois militantes sociais, na noite de terça-feira (23), no município em Dom Pedro. A detenção foi ordenada pessoalmente pelo juiz da comarca, Thales Ribeiro de Andrade, com a finalidade de acabar com um ato público contra ele, diante do Fórum da cidade – que, apesar dos atos arbitrários do juiz, aconteceu. Veja a entrevista.
A sociedade civil maranhense e em especial as entidades sociais de Dom Pedro convocaram o ato público para a entrega de um abaixo-assinado, contendo mais de 5 mil assinaturas de populares de Dom Pedro, em que requerem que o juiz Thales Ribeiro seja processado junto ao Conselho Nacional de Justiça. O abaixo-assinado seria entregue à comissão do Tribunal Popular do Judiciário/Observatório da Justiça e Cidadania. Eu estava presente a convite da comissão, para presenciar a entrega.
E por que as entidades locais não encaminharam o abaixo-assinado à Corregedoria-Geral de Justiça, não seria mais fácil?
Primeiramente, é preciso entender que era uma deliberação do movimento social e uma metodologia de despertar o poder popular e fazer nas ruas, por meio de uma manifestação, esse exercício de direito e de poder soberano, até para a população inteira saber que não é denúncia anônima, é denúncia pública contra o juiz Thales. Segundo: a população não confia mais nos órgãos de correição do Poder Judiciário maranhense, até mesmo porque já tiveram sua oportunidade. As punições aplicadas ao juiz deram a entender para o povo de que se tratava de premiação, ante as transgressões cometidas, que são extremamente graves.
E quais foram essas transgressões?
Segundo relatório da Controladoria-Geral da União, o juiz Thales teve suas diárias de hotel, em Dom Pedro, pagas com recursos do Fundef. Algo de uma gravidade sem medida. Qual a pena aplicada pelo Tribunal, quando do julgamento do juiz? Pena de advertência, que no meu entender foi completamente desproporcional ao ato ilegal praticado. Outra denúncia feita, de que o juiz não residia na comarca e ministrava aulas numa faculdade de São Luís, distante 324 km da comarca de Dom Pedro. Dupla infringência à Constituição e à Lei Orgânica da Magistratura. Pena aplicada: censura. Isso fez com que a sociedade entendesse que não vale a pena denunciar o juiz nos órgãos estatais do Maranhão, pois aqui ele desfruta, no entender das entidades, de uma proteção corporativista.
Como ocorreu o ato do dia 23, em Dom Pedro?
Cercado por aparato policial, Força Tática da PM, policiais com metralhadoras, carro de som apreendido sem motivo algum, demonstração clara de intimidação dirigida aos manifestantes. Mesmo sem som, somente com uma bicicleta, as pessoas decidiram fazer a marcha pelas ruas de Dom Pedro. Quando chegaram em frente ao Fórum da comarca, o juiz Thales ficou na porta, chamou o tenente Cid, comandante do batalhão, e começou a indicar quem deveria ser preso. Primeiro, foi o militante social Robério [Marcos Robério dos Santos], que foi agarrado pelos policiais e colocado na viatura, sem saber o motivo. Somente depois, quando a viatura retornou, o juiz entregou ao tenente Cid um papel, que este colocou na viatura. Depois, o juiz apontou novamente para o Dimas dos Santos, militante social de Cantanhede, que estava ali prestando solidariedade ao povo de Dom Pedro. Os policiais então foram para o meio da multidão, alguns com metralhadoras, e prenderam o Dimas.
Tinham algum mandado?
Num primeiro momento, não apresentaram. Então, resolvi indagar sobre o mandado, e disseram que tinham um mandado. Disse para apresentarem e vi que no mandado estava escrito apenas para prender a Vera Alves [presidente do Sinserpdom, sindicato dos servidores municipais] e o Gessildo Ferreira [secretário de Finanças do sindicato], nada mais, nenhuma referência a absolutamente nada. Disse que a pessoa presa não correspondia ao nome que estava no mandado, que deveriam primeiro pedir a identificação da pessoa. Quando Dimas tirou sua carteira de identidade, um dos policiais a tomou e levou para o juiz Thales. Enquanto isso, Dimas ficou detido. Argumentei que aquilo era ilegal e que os policiais estavam cumprindo uma ordem manifestamente ilegal, poderiam ser processados por isso. Aí um dos policiais disse para eu me calar, senão seria preso. Em seguida, me agarraram pelos braços e me jogaram no camburão da viatura.
E o que o senhor fez em seguida?
Comuniquei o fato ao ouvidor da Polícia Civil, Ribamar Araújo, e ao representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Diogo Cabral, sobre o ocorrido e todos os atos arbitrários praticados. Quando da minha prisão, falei para o delegado de Dom Pedro, Otávio Cavalcante, que aquela prisão era ilegal e ele, como autoridade policial, não fez absolutamente nada, mesmo sabendo que a prisão era ilegal.
E na delegacia?
Passamos mais de duas horas presos. O mandado de prisão do Dimas chegou por volta de 21h15, entregue pelo tenente Cid ao delegado Otávio. Perguntei se o mesmo iria cumprir aquele mandado, ele apenas me disse: “são ordens do juiz, tenho de cumprir”. Disse que aquela ordem era ilegal e que ele poderia ser processado. Ele disse que eu poderia fazer o que eu quisesse. Estavam presentes na sala, além de mim e o delegado, o Dimas e os advogados Iriomar Teixeira e Milton Aragão. Minutos depois, o delegado chamou o advogado Milton e disse que não iria cumprir o “mandado de prisão”, transformando em Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), tendo Dimas como réu de injúria e difamação contra o juiz Thales. O juiz sequer compareceu à delegacia. A não ser que tenha telefonado para o delegado ou o delegado deve ter entendido que se pode transformar um mandado de prisão em TCO...
E do que o senhor foi acusado?
O delegado fez contra mim um TCO, em que se afirma que cometi as seguintes condutas: ameaça, desacato à autoridade e desobediência. Primeiramente, afirmar de forma veemente, como fiz, na delegacia, quando já estava preso, que o tenente Cid e os policiais que cumpriram a ordem ilegal seriam processados não constitui crime de ameaça. Em segundo lugar, não desacatei nenhuma autoridade, pois vi ali policiais, sob o comando de um tenente, que se despiram das insígnias e fardamento públicos, desrespeitando as funções de agentes públicos, transformando-se em jagunços, obedientes a um “coronel”. Ali não existia nem ordem legal, nem autoridade pública no sentido republicano do termo. Se não tivessem armados, o povo poderia ter exercido o seu direito de prendê-los, como diz o artigo 301 do Código Penal. Já quanto ao delegado de polícia, era seu dever prender os policiais, por abuso de autoridade, e ele não fez nada.
E agora, quais medidas o senhor pretende tomar?
Encaminhar as representações, contra os policiais, o delegado de polícia Otávio Cavalcante e o juiz Thales Ribeiro. Existem provas suficientes para isso: documentos, imagens e testemunhas. Serão processados por abuso de autoridade. E espero que, observados os procedimentos, essas pessoas sejam demitidas a bem do serviço público.
Para finalizar, quais as conclusões que o senhor tira do que aconteceu em Dom Pedro?
Foi um fato extremamente grave para a sociedade brasileira, para a democracia, para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Em Dom Pedro, a ordem constitucional foi rompida, a constituição foi rasgada pelo juiz, pelos policiais e pelo delegado. Este último procedeu a todos os atos arbitrários, fazendo-os parecer legais, quando sua obrigação era, no mínimo, circunstanciar tudo e encaminhar para os correicionais. Quanto ao juiz, ele só fez isso porque encontrou suporte em algo ou em alguém, e isso precisa ser devidamente investigado, não mais pelos órgãos locais, mas pelo Conselho Nacional de Justiça. A permanência desse juiz na comarca de Dom Pedro cria sérios riscos à ordem pública, à legalidade e à garantia dos direitos humanos. Sua permanência na magistratura hoje causa vergonha e descrédito do Judiciário junto ao povo.
Desembargador encaminha ofício a corregedor pedindo providências
O desembargador José Luiz Oliveira de Almeida encaminhou ontem um ofício ao corregedor geral de Justiça do Maranhão, desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior, solicitando “medidas urgentes da Corregedoria, no sentido de apurar, com rigor, os fatos narrados [pela mídia, em relação a atos do juiz de Dom Pedro, Thales Ribeiro], em face de sua gravidade”. O desembargador José Luiz de Almeida também pede “medidas administrativas urgentes” referentes à comarca de Vitória do Mearim, que, segundo o desembargador, vive um “caos” devido à “inação [inércia] do magistrado Milvan Gedeon Gomes”, titular da comarca. Veja o teor do ofício: aqui
São Luís(MA), 29 de novembro de 2010.
Ofício Nº 070/2010-GABJL
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Antônio Pacheco Guerreiro Júnior
Corregedoria Geral de Justiça
Preocupa-me, sobremaneira – como de resto preocupa a todos nós -, o desgaste da imagem do Poder Judiciário do nosso Estado, a repercutir, como sói ocorrer, em nossa (já pouca) credibilidade.
Nos últimos meses, eminente Corregedor, tem-se veiculado, iterativamente, notícias acerca da atuação do magistrado Thales Ribeiro de Andrade, da Comarca de Dom Pedro.
Aliás, preclaro Corregedor, depois de 25 (vinte e cinco) anos de plena atividade judicante, vivendo intensamente as questões que envolvem o Poder Judiciário do meu Estado, nunca testemunhei uma carga tão grande de acusações contra um magistrado, razão bastante para deflagração, desde o meu o olhar, das necessárias medidas administrativas de viés disciplinar.
No último domingo, o Jornal Pequeno, edição nº 23.518, repercutiu mais um fato, decorrente da ação judicante (?) do magistrado em apreço, com a seguinte manchete de primeira página:
“Mais de 60 entidades repudiam ‘atos arbitrários’ do juiz de D. Pedro”.
Creio, senhor Corregedor, que, em face dessa – e de outras notícias já veiculadas -, medidas urgentes devem ser implementadas – se é que ainda não o foram – pela Corregedoria Geral de Justiça, no sentido de apurar, com inexcedível rigor, os fatos narrados, em face de sua gravidade, com adoção, em sendo o caso, das medidas preventivas que se fizerem necessárias.
Da mesma sorte, senhor Corregedor, entendo que a situação da comarca de Vitória do Mearim está a reclamar medidas de cunho administrativo – urgentes, sem mais demora – tendentes a expungir o caos que ali se estabeleceu, em face da inação do magistrado Milvan Gedeon Gomes.
Vejo do relatório da lavra dos eminentes Juízes Auxiliares da Corregedoria – Kleber Costa Carvalho e José Jorge Figueiredo dos Anjos – que havia, por ocasião da correição, 2.178 (dois mil, cento e setenta e oito) processoas aguardando despacho, e 326 (trezentos e vinte e seis) aguardando sentença. Vejo do mesmo relatório, ademais que o juiz nunca realizou uma única sessão do Tribunal do Júri, apesar de se encontrar na comarca há mais de 06 (seis) anos.
Ter-se-á de convir, senhor Corregedor, que a situação descortinada no relatório dos eminentes Juízes Auxiliares da Corregedoria é de estarrecer, pelo que contém de nefasto para a imagem do Poder Judiciário, sem perder de vista o desconforto e os danos infligidos aos que se aventuram bater às portas da Justiça.
É verdade, estimado Corregedor, que, por ocasião da correição realizada na mencionada comarca, noticiada através do ofício 2827/2010-GAB/CGJ, de 18 de outubro, foram fixados prazos para que o magistrado corrigisse as omissões e equívocos constatados pelos eminentes Juízes Auxiliares da Corregedoria. Inobstante, não sei, ao certo, se, em face dessas orientações/sugestões/advertências, o magistrado corrigiu o rumo de suas (in)ações; ainda que o tenha feito, creio que não se deva descurar de acompanhar, de perto, o seu trabalho, para que os jurisdicionados de Vitória do Mearim não sejam “castigados” ainda mais do que têm sido.
Consigno, só pelo incontrolável prazer de argumentar, que, a exemplo de um crime de natureza pública, a autoridade administrativa, tendo notícias da prática de uma falta administrativa, ainda que apenas por intermédio da imprensa, deve, sim, instaurar o necessário procedimento preambular (sindicância), do qual poderá, ou não, resultar a instauração de um Procedimento Administrativo Disciplinar.
Sobreleva gizar que, com esta solicitação, não antecipo nenhum juízo de valor acerca da ação do magistrado Thales Ribeiro de Andrade, o qual presumo inocente, até que se prove em sentido contrário.
Com as considerações supra, rogo a Vossa Excelência que informe ao signatário:
I – quais as providências adotadas, no sentido de apurar os fatos noticiados na imprensa local, reiteradamente, em face da conduta do juiz Thales Ribeiro de Andrade, da Comarca de Dom Pedro; e
II – quais as providências adotadas, em face do que foi constatado na Comarca de Vitória do Mearim, na correição antes mencionada.
Fico de já agradecido pela atenção, consignando, ad cautelam, que o único sentimento que me move é o da preservação da imagem do Poder Judiciário.
Atenciosamente,
Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida
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