POR JEAN MARIE VAN DAMME
DA ASSOCIAÇÃO DE SAÚDE DA PERIFERIA (ASP/MA)
Final de 2009. O “novo” Secretário de Estado da Saúde, Ricardo, chega
na reunião do Conselho Estadual de Saúde (CES). Atrasado, senta-se na
mesa, como presidente dedocraticamente imposto pela Lei
Estadual, de autoria da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão
(ALEMA), e de pronto homologada pela então governadora em 2000, toma a
palavra e anuncia: trouxe para apresentar a este conselho o resultado da
licitação de construção de 65 hospitais no interior do Estado. Promessa
de campanha, nenhuma discussão foi travada com o Conselho que, por lei,
deveria deliberar sobre a política de saúde no Estado.
Alguns protestos surgiram. Entre os que tomaram a palavra, indaguei
sobre a necessidade de se ter um debate no CES e a aprovação deste para
poder legalmente executar as obras. Vários conselheiros seguiram
concordando com esta assertiva. Mas a resposta do secretário foi
desconcertante: o Conselho nada tem a ver com isso, veio apenas INFORMAR
de uma decisão já tomada.
Poucos dias depois, fui informado que estava destituído de minha
função como conselheiro. Razão: o conselheiro só poderia exercer dois
mandatos de dois anos seguidos. E nem era conselheiro titular, apenas
suplente. O argumento “legal”, contestado pelo Conselho em diversas
oportunidades configura uma intromissão do governo na autonomia da
entidade com assento no Conselho. À Pastoral da Criança pertence a
titularidade da vaga. Como é que uma lei – e um secretário – se
intrometem na autonomia da entidade em indicar os seus representantes?
Há anos que apontamos essa falha na própria lei, inclusive sugerindo que
as entidades fossem escolhidas em Conferência, sem ter vaga cativa como
acontece hoje. Como este governo não entende nada de democracia nem de
alternância de poder, obstrui qualquer projeto que possa adequar o
funcionamento do Conselho às normas legais (por exemplo, a Resolução 333
do Conselho Nacional de Saúde) e aos princípios da democracia.
Saído do CES, jornais me procuraram para expor minhas opiniões acerca
da construção dos – agora aumentado o número – hospitais. Reitero o que
disse à época (início de 2010): não adianta construir prédios, sem ter
duas condições básicas: atendimento pleno da população em atenção básica
no seu município de origem e profissionais dedicados que cumpram
horários, tratem de forma decente os pacientes e executem o trabalho
médico com qualidade. Previa que estes hospitais não iriam funcionar tão
cedo – certamente não antes das eleições como ressoava a promessa, e
que era mais fácil construir do que manter essas estruturas. Suspeitava
que tais construções pudessem ser utilizadas inclusive para angariar
recursos para campanhas políticas como aquela que se anunciava no ano em
curso. Por este motivo, não havia tempo para o conselho discutir esta
política: as licitações tinham que ser concluídas antes do ano
eleitoral!
Estamos a muitos meses do prazo indicado pela promessa. O que vemos
hoje são esqueletos de hospitais se espalhando no Estado e prefeitos
avisando: não dêem este presente de grego porque o município não tem
condições de manter esse hospital. Até o presente momento, apenas uma
unidade dos 65 hospitais de 20 leitos foi “entregue” à população. O de
Lago dos Rodrigues. As fotos bonitas enganam, porque funciona pela
metade. Não se encontram profissionais para sua plena operacionalização.
Visitamos alguns dos prédios “em construção”, ou seja, abandonados, com
placas caídas… E a população continua correndo para se tratar num
Socorrão superlotado em São Luís ou para Teresina, Belém… Como nosso
amigo de Maracaçumé, que no mês de maio perdeu sua filha de 14 anos,
numa ambulância que a levava com urgência para São Luís.
Agora, a esta situação acrescentam-se novos fatos, que confirmam
suspeitas já levantadas sobre a formação de caixa para as eleições
(leiam a matéria de IstoÉ). As explicações do secretário Ricardo não convencem. Aguardamos com ansiedade que o CES investigue e se pronuncie sobre a questão.
E o que pensar sobre o “recall” dos médicos pela SES, lotados no
Hospital Presidente Dutra, para que voltem ao órgão de origem (a própria
Secretaria Estadual de Saúde) para ir povoando os hospitais no
interior? Tirar o lençol curto demais da cabeça para cobrir os pés…
O nosso Estado precisa é organizar melhor a atenção básica. Na falta
de médicos, ampliar as atribuições do pessoal de enfermagem para ter
solução de curto prazo; em médio prazo, abrir mais cursos de medicina;
remunerar decentemente os profissionais médicos e demais categorias;
criar um plano de saúde com hospitais com resolutividade de média e alta
complexidade em locais estratégicos e não disseminar elefantes brancos
em locais que o próprio Ministério de Saúde considera sem condições para
seu funcionamento. Isso tudo exige dos governantes uma visão de
política que ultrapassa medidas clientelistas e eleitorais e que desenhe
um plano estratégico de estado e não do governo de plantão.
Temo estarmos perdendo uma oportunidade de levar esta discussão para
um público mais amplo: as Conferências de saúde que estão se realizando
no decorrer deste ano terão condições de abordar estas questões? E mesmo
chegando a conclusões, o governo irá, desta vez, levar em consideração o
que uma Conferência Estadual de Saúde determinar? Daqui a poucas
semanas, teremos a resposta.
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