Se fôssemos mais
flexíveis com as discordâncias, logo destruiríamos a soberba de que somos os
donos da verdade e de que ninguém sabe mais do que nós. Não deveria ser tão
estranho alguém discordar de nós, até porque ninguém é obrigado a concordar com
tudo nem com todos. Ainda bem que o concordar é relativo à força da persuasão!
Há de se convencer alguém a concordar com você, e isso não é tão simples assim.
Posso até conviver com você, mas nunca estou obrigado a concordar com seus
pensamentos.
Volta e meia, algumas
pessoas se aproximam de nós – pelo menos eu já passei por experiência parecida
– para dar uma opinião esperando apenas uma confirmação positiva acerca do
assunto. Ou seja, o desejo de autoafirmação das pessoas é tão forte que o
diálogo crítico e autêntico acaba se banalizando ou mesmo ficando em segundo
plano. Muitas vezes, sufocamos o diálogo em virtude de uma acomodação simples e
passiva às opiniões alheias, quando, na verdade, segundo Paulo Freire, o
diálogo “é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz
crítica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se de amor, de humanidade, de
esperança, de fé, de confiança. Por isso, somente o diálogo comunica. E quando
os dois pólos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé no
próximo, se fazem críticos na procura de algo e se produz uma relação de
'empatia' entre ambos”(FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª ed. São Paulo:
Paz e Terra, p. 39).
Conversar sobre
futebol, novelas, religião, política, família e etc implica em temas que
dividem a opinião da maior parte das pessoas. Muitas não têm argumentos
plausíveis que fundamentem seus pontos de vista e acabam forçando os seus
ouvintes a admitir, por bem da amizade, que estão certas. Mas é um equívoco e
uma ilusão acharmos que preservamos nossas amizades ao não contra-argumentarmos
a favor da verdade ou da riqueza de outros olhares. A minha visão é apenas uma
em meio a outras tantas! Abrir-se ao novo é uma experiência irrenunciável!
Somente uma educação
com base na ironia socrática ou na humildade pode nos levar a descobrir o valor
das discordâncias. Discordar eleva a discussão ao grau de maturidade
intelectual em que ambos estão suscetíveis a mudar de opinião. Discordar, com
isso, tira o ranço de autoridade que há no diálogo entre duas pessoas que se
dizem civilizadas. Discordar fortalece os argumentos que se pretendem afirmar.
Discordar nos permite ir além do óbvio. Discordar põe à prova algumas verdades
estabelecidas. Discordar quebra o gelo num grupo, numa palestra chata ou numa
reunião burocrática. Discordar é também saber aceitar as discordâncias e
contradições no seu discurso, até porque ninguém está totalmente certo nem
totalmente errado. Aliás, quando discordamos, aprendemos que não somos
suficientes, e sim necessários.
Aceitar, superar ou
vencer as discordâncias é a meta de todo educador, pois é impossível continuar
crescendo sem saber da sua incompletude, de que nunca se estará pronto.
Educa-se educando, numa troca infinita de ideias que não se acabarão. “A
educação crítica considera os homens como seres em devir, como seres
inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com
ela. Por oposição a outros animais, que são inacabados mas não históricos, os
homens sabem-se incompletos. Os homens têm consciência de que são incompletos,
e assim, nesse estar inacabados e na consciência que disso têm, encontram-se as
raízes mesmas da educação como fenômeno puramente humano. O caráter inacabado
dos homens e o caráter evolutivo da realidade exigem que a educação seja 'uma
atividade contínua'. A educação é, deste modo, continuamente refeita pela
práxis”(FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma
introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979,
p. 42).
É essa sensação de
inacabamento que resulta das discordâncias. Daí, serem elas tão importantes
para a transformação dos valores e do modo como é visto o mundo, do modo como
se contam as histórias, do modo como se falam novas coisas. Discordar, minha
gente, não é ofender ninguém, mas falar de um outro modo o que ninguém, talvez,
tenha falado, permitir-se ao risco de pensar novamente o que já foi pensado.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Especialista em Metafísica, Licenciado em Filosofia, Bacharel em
Teologia e Pós-graduando em Estudos Clássicos pela UnB/Archai/Unesco.
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