imagem: Caju |
Veja como são
as coisas.
Essa história que minhas amigas e amigos irão ler está no livro o
centésimo emprego deseu lelé bristol do filho de são
mateus nelin vieira e conta a historia de zé de lia - de botar gasolina no poço
que estava cavando nas terras onde hoje é a fazenda tapuio, do zildene falcão,
para tentar vender o terreno mais caro - aconteceu de verdade.
mas pelo que estamos vendo hoje, com a descoberta de gás em lima campos e
outros municípios vizinhos, acho que em breve – teremos uma surpresa - com
a notícia de que são mateus também possui essas minerais...
Portanto, zé de lia tinha razão, e “profetizou” quando afirmou que o
petróleo é nosso!
companhia de petróleo rio tapuio s.a.
por : nelin vieira
O vaqueiro zé de lia, pernambucano do sertão dos iamuns, depois de dois meses
de viagem tocando uma boiada chegou em são mateus do maranhão no dia
26 de dezembro de 1961 — data da criação do município. o gado pertencia ao
fazendeiro toinho alonso, cujo filho, o joão do coco, ficaria conhecido na
cidade e região por sua casa de vender coco d’água que tem as paredes forradas
de cartazes de políticos, e suas previsões eleitorais infalíveis. após entregar
as 1.500 cabeças de gado ao seu alonso, o homem passou uma
semana descansando. foi naqueles dias que resolveu fixar residência na cidade.
Cresci ouvindo as fantásticas
histórias desse fazendeiro que dizia ser irmão de criação do rei do baião, luiz
gonzaga, e também muito amigo da escritora cearense rachel de queiroz. certa
vez ele disse numa roda de amigos que, aos 76 anos de idade, todo suor que
havia derramado “trabalhando”, talvez não desse para encher uma garrafa de
refrigerante — e das pequenas! — arrematou o em tom de brincadeira, o já então
ex-vaqueiro.
Com o dinheiro que recebeu pelo serviço prestado a toinho alonso somado a
uns trocados que trazia na algibeira, zé de lia comprou uma propriedade de
cinqüenta hectares de terra, localizada às margens da estrada que corta a
cidade, a br 135. aí danou-se a plantar, ou melhor, mandar plantar arroz,
milho, feijão, mandioca, macaxeira, e melancia. também contratou logo um
vaqueiro para cuidar de cinco vaquinhas, que segundo dizia, foram essas
“vaquinhas das tetas de ouro” de que alavancaram sua atividade de pecuarista.
O ex-vaqueiro contava que em menos de seis meses, apenas vendendo leite
do seu rebanho, já havia “tirado” o dinheiro empregado na compra da terra.
isso, sem contar com os trocados a mais que sua mulher, dona joana, vinha
juntando com “a venda por fora da espuma”. o negócio “extra” tinha uma
justificativa de cunho alimentar, dada pelo futuro dono de poço de petróleo.
— é na espuma que está sustança1 do leite! é ela é que
faz o cabra ficar bem forte!
O terreno integrava a atual fazenda tapuio, de propriedade do
empresário zildene falcão2. e naquela terra fértil, a única coisa
que não faltava era o líquido preciso chamado água. mas o novo fazendeiro, como
quem ignorasse todo potencial das águas do rio tapuio, que corta ao meio
terreno — não se sabia ainda por qual propósito — buscou o lugar mais alto para
abrir um poço. a alegação era de que suas vaquinhas estavam “estranhado a água
suja” de riacho.
Com apenas vinte palmos de fundura (mais ou menos quatro metros) a água
começou a brotar. mas o fazendeiro zé de lia, depois de uma noite mal dormida —
devido pequenos problemas com o vaqueiro chagas couro não deu, que insistia em
“ratear” o dinheiro da venda da espuma com sua mulher —, começou o dia com
“espírito de caloteiro do dinheiro público”, e suspendeu imediatamente o
serviço de perfuração.
às sete horas da manhã se arrumou, tomou café com bolo de tapioca, montou
em “topa tudo”, seu cavalo marchador e foi direto ao posto esso, de propriedade
do oficial de justiça capa bode onde “negociou à prazo” duzentos litros de
gasolina com o gerente elpídio tinoco aragão. o maneta que era o bombeiro — e
sabia que zé de lia não possuía carro — ainda tentou saber o que
diabo iria fazer com tanto combustível. a resposta do fazendeiro ao intrometido
empregado foi o silêncio.
O petróleo foi transportado na carroça do empresário milton aragão. mas
um pequeno incidente quase estraga os planos do fazendeiro zé de lia. como a
tampa do tonel estava aberta, o cheiro forte da gasolina terminou embriagando o
boi “paquetão” que quase caia dentro do poço. a tragédia só não foi maior
porque o vaqueiro carlos broca e o tenente valmir pé de burro conseguiram
segurar o boi e a carroça.
Mas o tonel com os duzentos litros de gasolina — que parecia saber seu
destino — foi parar no fundo o poço. enquanto o ex-vaqueiro cuidava do
“paquetão”, os dois auxiliares retiraram o tambor que já estava vazio. e quando
o prezepeiro zé de lia chegou na beira do buraco, botou as mãos na cabeça e
bastante apreensivo falou:
— ainda bem que salvamos o boi, a carroça e tonel — mas a minha gasolina,
a essa altura já está perto do japão!
plano arquitetado. parte da tarefa executada. vamos agora conhecer a
segunda etapa do enredo...
às oito e quinze da noite, logo após ir ao ar o “repórter esso3”,
zé de lia foi à casa do doutor oswaldo tupinambá crisóstomo de paula athaíde
castelo branco, conhecido como “moeda de mil”, que era o coletor da cidade e
havia sido deputado estadual no ceará. ao entrar na coletoria, o fazendeiro zé
de lia fez uma encenação de dar inveja a qualquer ator de televisão ou até
mesmo de teatro. (moeda de mil foi encontrado ali àquela hora porque o morava
na própria repartição, para economizar despesas com aluguel).zé de lia tirou o
chapéu, botou as mãos na cabeça, começou a andar de um lado pro outro da sala.
ele, que vivia rindo, fechou a cara, impostou a voz e, antes que o coletor
perguntasse alguma coisa, demonstrando um fingido desespero, foi logo dizendo.
— meu grande amigo tupinambá, agora eu cheguei à conclusão de que
realmente atrás do pobre corre um bicho. e é um bicho muito grande doutor
oswaldo! e não queira nem saber o tamanho. porque senão o senhor não vai
dormir direito hoje — arrematou.
o coletor, que havia perdido a reeleição e, para equilibrar o orçamento,
se dispôs a aceitar um cargo em outro estado, morar em cidade pequena, ao ver o
amigo tão aflito lembrou-se imediatamente das armadilhas da política. mas como
não queria transformar o balcão da coletoria num muro de lamentações,
limitou-se em perguntar o que realmente de tão ruim havia acontecido.
O cavador de poço ao sentir que havia preparado direitinho o terreno,
acendeu o charuto de palha e pediu ao doutor oswaldo que sentasse.
— porque o que eu vou contar é coisa pra ouvir sentado — justificou o
astuto fazendeiro, sabendo que o ex-deputado era homem de quase setenta anos de
idade.
com o interlocutor sentado, prosseguiu.
— doutor, não é que comecei a cavar um “buraquinho” lá na minha
fazenda para dar de beber aos animais e — buscando o tom e a expressão adequada
ao drama, disse —, desde ontem meu patrão, não sei o que diabo foi o que
aconteceu que a água que começou a minar tinha um cheiro diferente. e
quando botei um pouquinho na boca para provar se não era salobra, quase que
morro sem fôlego. o cheiro meu amigo era muito forte. tinha uma catinga de
“óleo”. era uma nata só!
zé de lia botou as mãos novamente na cabeça e, fingindo demonstrar que já
estivesse sendo perseguido, fingiu não se conteve. e começou a chorar...
— meu amigo oswaldo tupinambá, se for o realmente o que eu estou
pensando... — o suspense era sua arma —. se for petróleo, eu nem sei o que será
da minha vida daqui pra frente. sou pobre, negro, analfabeto, não sei falar
bonito assim como vocês e nem tenho advogado. e pelo que estou vendo, ou
melhor, pelo que cheirei, se minhas previsões não estiverem erradas... só o
senhor que mexe com dinheiro e tem amigos lá em cima, pode me tirar dessa
enrascada... que, sinceramente, já tá fedendo a gasolina queimada.
o coletor que conhecia muito bem o jeitão extrovertido do amigo zé de
lia, depois de ouvir aquela encenação, mostrou-se apreensivo. e talvez,
por nunca ter visto o fazendeiro brincalhão tão preocupado assim, pediu que se
sentasse, e foi buscar um copo de água com açúcar.
após vê-lo mais calmo, o ex-deputado tubinambá encontrou um jeitinho e
perguntou:
–— meu amigo zé de lia, que história é essa de você dizer que nem sabe
mais o que vai ser de sua vida daqui pra frente? do que é mesmo que você estava
falando?
o próspero “fazendeiro” tentando recompor-se do pseudo estado de nervo em
que ficara, olhou pro seu amigo coletor e, ainda com ar de preocupação,
respondeu:
–— doutor castelo branco, a minha vida a partir de hoje só tem dois
caminhos. ou eu vou ser um dos homens mais rico do brasil, ou então vou ser
processado e morrer “pretinho” na cadeia. porque, se o senhor não sabe, eu
estou metido com “coisa” que só o governo federal pode mexer. e caso se
confirme o que lhe falei, a única pessoa que eu vejo que pode me ajudar
negociar junto ao governo é o senhor que já foi deputado e conhece os homens lá
em cima.
quando o ex-deputado oswaldo tupinambá crisóstomo de paula athaíde
castelo branco começou a juntar as palavras — catinga de óleo, coisa do
governo, encrenca com gente grande, o homem mais rico do brasil —, concluiu que
o seu amigo zé de lia estava lhe oferecendo a oportunidade de deixar de ser
cobrador de impostos — e nunca mais ser importunado nas intermináveis reuniões
que só serviam para exigir o aumento de arrecadação.
no mesmo instante o “quase ex-coletor” botou o fazendeiro no seu
fusquinha 62 e foram até a fazenda, ou melhor, ao poço de petróleo do rio
tapuio. quando chegaram, o astuto zé de lia fez questão que o amigo descesse
numa corda feita de palha de buriti e, pessoalmente, verificasse (com o auxílio
de duas lanternas) de onde vinha aquele cheiro forte de petróleo.
“moeda de mil” que pesava 132 quilos, levou a coité4 (do
fazendeiro beber leite com farinha de puba às cinco horas da manhã) e, lá
embaixo, fez diversos testes no centro e na periferia do poço. ao sair —
cansado e meio pouco tonto devido o cheiro forte da gasolina que zé de lia
havia “mandado” o boi paquetão” derramar no buraco — não tinha mais nenhuma
dúvida de que, pela primeira vez, havia entrado num riquíssimo poço de petróleo.
e ali mesmo na beira da “mina” comprou a fazenda do amigão zé de lia “com
a porteira fechada” por uma quantia dez vezes o valor de mercado. e durante o
jantar — um leitãozinho de quinze quilos — oferecido pelo ex-dono da fazenda, o
agora “homem forte do petróleo”, entre uma taça e outra de vinho, também
adquiriu o posto de gasolina do capa bode.
— porque — justificou o visionário “moeda de mil”, que então adiara
viagem programada à capital do estado, são luis do maranhão, para prestar
contas arrecadação do último trimestre — não faz o menor sentido ter o produto
e não possuir o canal de distribuição — o extravagante sonha alto — para aos poucos,
ir tornando conhecida no brasil inteiro e, quem sabe, no resto do mundo a... —
suas palavras tinham um sabor especial — futura companhia de petróleo rio
tapuio s.a.
Naquela memorável noite do dia 31 de março de 1962 (noite de
“grandes negócios”) o empreendedor zé de lia, com uma parte do dinheiro do
“poço de petróleo”, comprou do seuraimundo gildo as terras da
sumaúma — seis vezes maior do que a fazenda tapuio — e após saber do professor
eustáquio da existência de uma jazida de calcário em seu novo terreno, o
ex-vaqueiro dos inhamuns se levantou e, de taça na mão, proclamou.
Seu Lobato tinha razão, realmente, o
petróleo é nosso!
.....................................................................................................
1Sustança. Forma antiga de substância, que o nordestino
usa para se referir aos nutrientes dos alimentos e ao resultado destes no
indivíduo.
2Zildene Falcão é dono
citada fazenda há mais ou menos 35 anos e proprietário da empresa dimapi, a maior distribuidora de impressos
da região. Foi através de sua generosidade, que o autor e a meninada de sua a
geração, nos anos 70, começaram a ler revistas. Doutor Zildene ofertava à
população as revistas não vendidas, que chegavam a São Mateus sem as
respectivas capas. (N.A.)
3“Repórter Esso” foi o
mais famoso programa de rádio...
4Coité é
O
AUTOR – Nelin
Vieira/foto é formado em Comunicação Social pela UniCEUMA e pós-graduado em
Jornalismo Cultural pela UFMA e tem colaborado com os principais jornais e
revistas do Maranhão. Foi juiz do Tribunal Regional do Trabalho, representante
dos trabalhadores, e é presidente do Sindicato dos Securitários do Estado do
Maranhão, membro da Federação Nacional dos Securitários–FENESPIC, da
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito–CONTEC e da
União Geral dos Trabalhadores–UGT.
Essa história que minhas amigas e amigos irão ler está no livro o
centésimo emprego deseu lelé bristol do filho de são
mateus nelin vieira e conta a historia de zé de lia - de botar gasolina no poço
que estava cavando nas terras onde hoje é a fazenda tapuio, do zildene falcão,
para tentar vender o terreno mais caro - aconteceu de verdade.
mas pelo que estamos vendo hoje, com a descoberta de gás em lima campos e
outros municípios vizinhos, acho que em breve – teremos uma surpresa - com
a notícia de que são mateus também possui essas minerais...
Portanto, zé de lia tinha razão, e “profetizou” quando afirmou que o
petróleo é nosso!
companhia de petróleo rio tapuio s.a.
por : nelin vieira
O vaqueiro zé de lia, pernambucano do sertão dos iamuns, depois de dois meses de viagem tocando uma boiada chegou em são mateus do maranhão no dia 26 de dezembro de 1961 — data da criação do município. o gado pertencia ao fazendeiro toinho alonso, cujo filho, o joão do coco, ficaria conhecido na cidade e região por sua casa de vender coco d’água que tem as paredes forradas de cartazes de políticos, e suas previsões eleitorais infalíveis. após entregar as 1.500 cabeças de gado ao seu alonso, o homem passou uma semana descansando. foi naqueles dias que resolveu fixar residência na cidade.
Cresci ouvindo as fantásticas
histórias desse fazendeiro que dizia ser irmão de criação do rei do baião, luiz
gonzaga, e também muito amigo da escritora cearense rachel de queiroz. certa
vez ele disse numa roda de amigos que, aos 76 anos de idade, todo suor que
havia derramado “trabalhando”, talvez não desse para encher uma garrafa de
refrigerante — e das pequenas! — arrematou o em tom de brincadeira, o já então
ex-vaqueiro.
Com o dinheiro que recebeu pelo serviço prestado a toinho alonso somado a
uns trocados que trazia na algibeira, zé de lia comprou uma propriedade de
cinqüenta hectares de terra, localizada às margens da estrada que corta a
cidade, a br 135. aí danou-se a plantar, ou melhor, mandar plantar arroz,
milho, feijão, mandioca, macaxeira, e melancia. também contratou logo um
vaqueiro para cuidar de cinco vaquinhas, que segundo dizia, foram essas
“vaquinhas das tetas de ouro” de que alavancaram sua atividade de pecuarista.
O ex-vaqueiro contava que em menos de seis meses, apenas vendendo leite
do seu rebanho, já havia “tirado” o dinheiro empregado na compra da terra.
isso, sem contar com os trocados a mais que sua mulher, dona joana, vinha
juntando com “a venda por fora da espuma”. o negócio “extra” tinha uma
justificativa de cunho alimentar, dada pelo futuro dono de poço de petróleo.
— é na espuma que está sustança1 do leite! é ela é que
faz o cabra ficar bem forte!
O terreno integrava a atual fazenda tapuio, de propriedade do
empresário zildene falcão2. e naquela terra fértil, a única coisa
que não faltava era o líquido preciso chamado água. mas o novo fazendeiro, como
quem ignorasse todo potencial das águas do rio tapuio, que corta ao meio
terreno — não se sabia ainda por qual propósito — buscou o lugar mais alto para
abrir um poço. a alegação era de que suas vaquinhas estavam “estranhado a água
suja” de riacho.
Com apenas vinte palmos de fundura (mais ou menos quatro metros) a água
começou a brotar. mas o fazendeiro zé de lia, depois de uma noite mal dormida —
devido pequenos problemas com o vaqueiro chagas couro não deu, que insistia em
“ratear” o dinheiro da venda da espuma com sua mulher —, começou o dia com
“espírito de caloteiro do dinheiro público”, e suspendeu imediatamente o
serviço de perfuração.
às sete horas da manhã se arrumou, tomou café com bolo de tapioca, montou
em “topa tudo”, seu cavalo marchador e foi direto ao posto esso, de propriedade
do oficial de justiça capa bode onde “negociou à prazo” duzentos litros de
gasolina com o gerente elpídio tinoco aragão. o maneta que era o bombeiro — e
sabia que zé de lia não possuía carro — ainda tentou saber o que
diabo iria fazer com tanto combustível. a resposta do fazendeiro ao intrometido
empregado foi o silêncio.
O petróleo foi transportado na carroça do empresário milton aragão. mas
um pequeno incidente quase estraga os planos do fazendeiro zé de lia. como a
tampa do tonel estava aberta, o cheiro forte da gasolina terminou embriagando o
boi “paquetão” que quase caia dentro do poço. a tragédia só não foi maior
porque o vaqueiro carlos broca e o tenente valmir pé de burro conseguiram
segurar o boi e a carroça.
Mas o tonel com os duzentos litros de gasolina — que parecia saber seu
destino — foi parar no fundo o poço. enquanto o ex-vaqueiro cuidava do
“paquetão”, os dois auxiliares retiraram o tambor que já estava vazio. e quando
o prezepeiro zé de lia chegou na beira do buraco, botou as mãos na cabeça e
bastante apreensivo falou:
— ainda bem que salvamos o boi, a carroça e tonel — mas a minha gasolina,
a essa altura já está perto do japão!
plano arquitetado. parte da tarefa executada. vamos agora conhecer a
segunda etapa do enredo...
às oito e quinze da noite, logo após ir ao ar o “repórter esso3”,
zé de lia foi à casa do doutor oswaldo tupinambá crisóstomo de paula athaíde
castelo branco, conhecido como “moeda de mil”, que era o coletor da cidade e
havia sido deputado estadual no ceará. ao entrar na coletoria, o fazendeiro zé
de lia fez uma encenação de dar inveja a qualquer ator de televisão ou até
mesmo de teatro. (moeda de mil foi encontrado ali àquela hora porque o morava
na própria repartição, para economizar despesas com aluguel).zé de lia tirou o
chapéu, botou as mãos na cabeça, começou a andar de um lado pro outro da sala.
ele, que vivia rindo, fechou a cara, impostou a voz e, antes que o coletor
perguntasse alguma coisa, demonstrando um fingido desespero, foi logo dizendo.
— meu grande amigo tupinambá, agora eu cheguei à conclusão de que
realmente atrás do pobre corre um bicho. e é um bicho muito grande doutor
oswaldo! e não queira nem saber o tamanho. porque senão o senhor não vai
dormir direito hoje — arrematou.
o coletor, que havia perdido a reeleição e, para equilibrar o orçamento,
se dispôs a aceitar um cargo em outro estado, morar em cidade pequena, ao ver o
amigo tão aflito lembrou-se imediatamente das armadilhas da política. mas como
não queria transformar o balcão da coletoria num muro de lamentações,
limitou-se em perguntar o que realmente de tão ruim havia acontecido.
O cavador de poço ao sentir que havia preparado direitinho o terreno,
acendeu o charuto de palha e pediu ao doutor oswaldo que sentasse.
— porque o que eu vou contar é coisa pra ouvir sentado — justificou o
astuto fazendeiro, sabendo que o ex-deputado era homem de quase setenta anos de
idade.
com o interlocutor sentado, prosseguiu.
— doutor, não é que comecei a cavar um “buraquinho” lá na minha
fazenda para dar de beber aos animais e — buscando o tom e a expressão adequada
ao drama, disse —, desde ontem meu patrão, não sei o que diabo foi o que
aconteceu que a água que começou a minar tinha um cheiro diferente. e
quando botei um pouquinho na boca para provar se não era salobra, quase que
morro sem fôlego. o cheiro meu amigo era muito forte. tinha uma catinga de
“óleo”. era uma nata só!
zé de lia botou as mãos novamente na cabeça e, fingindo demonstrar que já
estivesse sendo perseguido, fingiu não se conteve. e começou a chorar...
— meu amigo oswaldo tupinambá, se for o realmente o que eu estou
pensando... — o suspense era sua arma —. se for petróleo, eu nem sei o que será
da minha vida daqui pra frente. sou pobre, negro, analfabeto, não sei falar
bonito assim como vocês e nem tenho advogado. e pelo que estou vendo, ou
melhor, pelo que cheirei, se minhas previsões não estiverem erradas... só o
senhor que mexe com dinheiro e tem amigos lá em cima, pode me tirar dessa
enrascada... que, sinceramente, já tá fedendo a gasolina queimada.
o coletor que conhecia muito bem o jeitão extrovertido do amigo zé de
lia, depois de ouvir aquela encenação, mostrou-se apreensivo. e talvez,
por nunca ter visto o fazendeiro brincalhão tão preocupado assim, pediu que se
sentasse, e foi buscar um copo de água com açúcar.
após vê-lo mais calmo, o ex-deputado tubinambá encontrou um jeitinho e
perguntou:
–— meu amigo zé de lia, que história é essa de você dizer que nem sabe
mais o que vai ser de sua vida daqui pra frente? do que é mesmo que você estava
falando?
o próspero “fazendeiro” tentando recompor-se do pseudo estado de nervo em
que ficara, olhou pro seu amigo coletor e, ainda com ar de preocupação,
respondeu:
–— doutor castelo branco, a minha vida a partir de hoje só tem dois
caminhos. ou eu vou ser um dos homens mais rico do brasil, ou então vou ser
processado e morrer “pretinho” na cadeia. porque, se o senhor não sabe, eu
estou metido com “coisa” que só o governo federal pode mexer. e caso se
confirme o que lhe falei, a única pessoa que eu vejo que pode me ajudar
negociar junto ao governo é o senhor que já foi deputado e conhece os homens lá
em cima.
quando o ex-deputado oswaldo tupinambá crisóstomo de paula athaíde
castelo branco começou a juntar as palavras — catinga de óleo, coisa do
governo, encrenca com gente grande, o homem mais rico do brasil —, concluiu que
o seu amigo zé de lia estava lhe oferecendo a oportunidade de deixar de ser
cobrador de impostos — e nunca mais ser importunado nas intermináveis reuniões
que só serviam para exigir o aumento de arrecadação.
no mesmo instante o “quase ex-coletor” botou o fazendeiro no seu
fusquinha 62 e foram até a fazenda, ou melhor, ao poço de petróleo do rio
tapuio. quando chegaram, o astuto zé de lia fez questão que o amigo descesse
numa corda feita de palha de buriti e, pessoalmente, verificasse (com o auxílio
de duas lanternas) de onde vinha aquele cheiro forte de petróleo.
“moeda de mil” que pesava 132 quilos, levou a coité4 (do
fazendeiro beber leite com farinha de puba às cinco horas da manhã) e, lá
embaixo, fez diversos testes no centro e na periferia do poço. ao sair —
cansado e meio pouco tonto devido o cheiro forte da gasolina que zé de lia
havia “mandado” o boi paquetão” derramar no buraco — não tinha mais nenhuma
dúvida de que, pela primeira vez, havia entrado num riquíssimo poço de petróleo.
e ali mesmo na beira da “mina” comprou a fazenda do amigão zé de lia “com
a porteira fechada” por uma quantia dez vezes o valor de mercado. e durante o
jantar — um leitãozinho de quinze quilos — oferecido pelo ex-dono da fazenda, o
agora “homem forte do petróleo”, entre uma taça e outra de vinho, também
adquiriu o posto de gasolina do capa bode.
— porque — justificou o visionário “moeda de mil”, que então adiara
viagem programada à capital do estado, são luis do maranhão, para prestar
contas arrecadação do último trimestre — não faz o menor sentido ter o produto
e não possuir o canal de distribuição — o extravagante sonha alto — para aos poucos,
ir tornando conhecida no brasil inteiro e, quem sabe, no resto do mundo a... —
suas palavras tinham um sabor especial — futura companhia de petróleo rio
tapuio s.a.
Naquela memorável noite do dia 31 de março de 1962 (noite de
“grandes negócios”) o empreendedor zé de lia, com uma parte do dinheiro do
“poço de petróleo”, comprou do seuraimundo gildo as terras da
sumaúma — seis vezes maior do que a fazenda tapuio — e após saber do professor
eustáquio da existência de uma jazida de calcário em seu novo terreno, o
ex-vaqueiro dos inhamuns se levantou e, de taça na mão, proclamou.
Seu Lobato tinha razão, realmente, o
petróleo é nosso!
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