Por Ivo Jose Triches e José Luiz Ames*
É
possível estabelecer uma relação entre ação política e paixão erótica? O que
leva o homem a agir politicamente e o que o atrai eroticamente? Nietzsche
sugeriu que se tratava da “vontade de poder”: a existência de um desejo
instintivo no homem de impor a si mesmo e aos outros sua própria escala
valorativa. Aristóteles acreditava que tanto a ação política quanto a erótica
eram respostas à tendência humana de realizar fins: a vida boa na política e a
procriação na erótica. E para Maquiavel?
O
homem, para Maquiavel, é um ser solitário e autointeressado que faz o bem
quando é obrigado e o mal sempre que tem oportunidade. A solidão que atinge a
essência do homem o faz enfrentar o problema: como alcançar a união, como
transcender o solipsismo da vida individual e encontrar compensação? Enquanto o
homem permanecer prisioneiro de sua solidão será incapaz de dominar ativamente
o mundo, as coisas e as pessoas. Em outras palavras: se ele decidir viver só,
estará fadado ao fracasso em todos os sentidos.
O
prazer do poder político, assim como prazer da paixão erótica, está baseado na
sensação de submissão. O erótico, na paixão, é o meio pelo qual se possui a uma
pessoa, mas somente por um instante. O exercício do poder político, em
compensação, é a possibilidade de possuir a muitas pessoas e por um tempo
prolongado. O exercício do poder produz prazer constante. Contudo, se a posse
erótica é mais breve do que a política, o orgasmo lhe confere maior
intensidade.
Poder
é a capacidade de controlar a vontade do outro e impor-lhe determinado
comportamento, mesmo contra sua vontade. Na ação política e na ação erótica, o
controle da vontade do outro é tanto mais eficaz quanto mais prescindir da
força bruta. O verdadeiro dominador é um encantador de serpentes. Ele faz uso
da comunicação perlocucionaria objetivando atingir seus fins que é manter-se no
poder.
O mundo da ação política é, por definição, pura
presentidade. Aqueles que vivem nele são obrigados a tomar decisões no agora e
aqui. Ali onde o presente é toda a realidade, onde o futuro se resume a
escolhas presentes, domina a frivolidade. Neste mundo, as pessoas são levadas a
querer usufruir imediatamente tudo quanto é possível. A regra de ouro é:
gozar o tempo presente.
É
aqui que o erótico e o político se fundem. Os dois são fruições instantâneas,
maneiras de eternizar a glória fugaz de um momento privilegiado: a vitória no
jogo político é o equivalente do orgasmo no prazer erótico. Os escândalos
sexuais que movimentam o noticiário político, em todas as esferas de
organização do poder, são expressões da frivolidade de um mundo que não conhece
sonhos. Basta recordar as fantasias do ex-presidente americano Bill Clinton com
a sua Mônica Levinski. Na política e na erótica, é no agora e aqui que tudo se
decide. É no agora e aqui que tudo é usufruído. A regra é o máximo de prazer
pelo maior tempo possível. Aqui tudo é efêmero, nada pode ser
apreendido. A frustração é o sentimento inevitável num mundo em que tudo
precisa ser gozado imediatamente.
A
aproximação entre o erótico e o político, na maneira como foi feita aqui, gera
certo desencanto, com a política! Com efeito, se a ação política se rege pelo
prazer efêmero da fruição, do gozo, da vitória à semelhança do orgasmo na
relação erótica, o que podemos esperar dela? Será que a política não consegue
ser mais do que um jogo em que interessa unicamente vencer, em que importa tão
somente o resultado?
Quando
olhamos para a ação política tal como ela acontece, a única resposta possível é
de que ela não passa de um jogo em que interessa a vitória dos competidores.
Não há finalidades substanciais, não existe nada de permanente a ser esperado
dela. O destino da ação política é ser isso? Não há nada a ser feito para
transformar a ação política em uma construção de um mundo de justiça,
liberdade, igualdade? Será possível fazer da ação política uma obra que se
dirija aos outros e não à satisfação dos próprios competidores?
Essa forma de ser de muitos que vivem no mundo
partidário em nosso país, faz parte da “política pequena” como dizia
Antonio Gramsci (1891-1937). Para que alguém consiga chegar à “grande
política” é necessário que consiga transcender essa visão de mundo.
Voltemos por um instante à comparação da ação
política com a paixão erótica. O eros é desejo de fruição insaciável. Quer
possuir o outro como objeto de satisfação. Como na saciedade é muito
difícil ter o controle absoluto do todo, a frustração é inevitável. Somente
quando o outro deixa de ser algo a ser possuído para ser alguém para ser amado,
emerge a possibilidade de ser feliz. Para amar é preciso deixar o outro ser, é
preciso querer seu bem não porque nos faz falta, mas simplesmente porque ele
existe, porque a pura existência dele é motivo suficiente para amá-lo.
Na
ação política é preciso que um movimento semelhante aconteça para que se
transforme de um jogo em que interessa tão somente o resultado em uma obra na
qual é visado o conjunto da comunidade política e não os competidores do jogo.
Enquanto a ação política se resumir à disputa entre partidos pela posse do
poder, ou de indivíduos pelo domínio uns sobre os outros, ela não conseguirá
ser mais do que fugacidade, esforço vão de eternizar a glória da vitória
momentânea, ou seja, apenas uma política pequena.
Enquanto
a ação política for isso será igual ao orgasmo na relação erótica: um prazer
fugaz impossível de ser retido. Como fazer a ação política transformar-se de
jogo de poder em vista do resultado em instrumento de construção para uma
sociedade justa? A resposta é tão complexa quanto a outra: como fazer que a
paixão erótica se transforme de fruição e gozo momentâneos em relação de amor?
Resposta a essa questão está na segunda parte deste escrito que você poderá ler
na próxima semana.
* José Luiz Ames é doutor em Filosofia,
professor da
Unioeste. E-mail: profuni2000@yahoo.com.br
Unioeste. E-mail: profuni2000@yahoo.com.br
Ivo José Triches é diretor das Faculdades Itecne
de Cascavel e Prof. Titular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel.
E-mail: ivo@itecne.com.br blog: www.itecne.edu.br/ivo
de Cascavel e Prof. Titular do Centro de Filosofia Clínica de Cascavel.
E-mail: ivo@itecne.com.br blog: www.itecne.edu.br/ivo
0 comentários:
Postar um comentário
Para fazer comentário use sua Contas do Google como a do gmail, orkut entre outros. Qualquer comentário aqui postado é de inteira responsabilidade do seu autor.Comentários com palavras ofensivas e xingamentos serão excluídos.É livre a manifestação do contraditório desde citado o titular. De já agradeço.