Companhia de Petróleo Rio Tapuio S.A.



Veja como são as coisas caros leitores o causo é verdadeiro e aconteceu aqui mesmo em São Mateus com Zé de Lia - de botar gasolina no poço que estava cavando nas terras onde hoje é a Fazenda Tapuio, do Zildene Falcão, para tentar vender o terreno mais caro - aconteceu de verdade.  
Mas pelo que estamos vendo hoje, com a descoberta de gás em Lima Campos e outros municípios vizinhos, acho que em breve - termos uma agradável surpresa - com a notícia de que São Mateus também possui essas riquezas minerais...

Portanto, Zé de Lia tinha razão, quando afirmou que o petróleo é nosso!

Companhia de Petróleo Rio Tapuio S.A.

Por Nelin Vieira 


O vaqueiro Zé de Lia, pernambucano do sertão dos Iamuns, depois de dois meses de viagem tocando uma boiada chegou em São Mateus do Maranhão no dia 26 de dezembro de 1961 — data da criação do município. O gado pertencia ao fazendeiro Toinho Alonso, cujo filho, o João do Coco, ficaria conhecido na cidade e região por sua casa de vender coco d’água que tem as paredes forradas de cartazes de políticos, e suas previsões eleitorais infalíveis. Após entregar as 1.500 cabeças de gado ao Seu Alonso, o homem passou uma semana descansando. Foi naqueles dias que resolveu fixar residência na cidade.  

Cresci ouvindo as fantásticas histórias desse fazendeiro que dizia ser irmão de criação do rei do baião, Luiz Gonzaga, e também muito amigo da escritora cearense Rachel de Queiroz. Certa vez ele disse numa roda de amigos que, aos 76 anos de idade, todo suor que havia derramado “trabalhando”, talvez não desse para encher uma garrafa de refrigerante — e das pequenas! — arrematou o em tom de brincadeira, o já então ex-vaqueiro.

Com o dinheiro que recebeu pelo serviço prestado a Toinho Alonso somado a uns trocados que trazia na algibeira, Zé de Lia comprou uma propriedade de cinqüenta hectares de terra, localizada às margens da estrada que corta a cidade, a BR 135. Aí danou-se a plantar, ou melhor, mandar plantar arroz, milho, feijão, mandioca, macaxeira, e melancia. Também contratou logo um vaqueiro para cuidar de cinco vaquinhas, que segundo dizia, foram essas “vaquinhas das tetas de ouro” de que alavancaram sua atividade de pecuarista.

O ex-vaqueiro contava que em menos de seis meses, apenas vendendo leite do seu rebanho, já havia “tirado” o dinheiro empregado na compra da terra. Isso, sem contar com os trocados a mais que sua mulher, dona Joana, vinha juntando com “a venda por fora da espuma”. O negócio “extra” tinha uma justificativa de cunho alimentar, dada pelo futuro dono de poço de petróleo.

— É na espuma que está sustança1 do leite! É ela é que faz o cabra ficar bem forte!

O terreno integrava a atual Fazenda Tapuio, de propriedade do empresário Zildene Falcão2. E naquela terra fértil, a única coisa que não faltava era o líquido preciso chamado água. Mas o novo fazendeiro, como quem ignorasse todo potencial das águas do rio Tapuio, que corta ao meio terreno — não se sabia ainda por qual propósito — buscou o lugar mais alto para abrir um poço. A alegação era de que suas vaquinhas estavam “estranhado a água suja” de riacho.

Com apenas vinte palmos de fundura (mais ou menos quatro metros) a água começou a brotar. Mas o fazendeiro Zé de Lia, depois de uma noite mal dormida — devido pequenos problemas com o vaqueiro Chagas Couro Não Deu, que insistia em “ratear” o dinheiro da venda da espuma com sua mulher —, começou o dia com “espírito de caloteiro do dinheiro público”, e suspendeu imediatamente o serviço de perfuração.

Às sete horas da manhã se arrumou, tomou café com bolo de tapioca, montou em “Topa Tudo”, seu cavalo marchador e foi direto ao Posto Esso, de propriedade do oficial de justiça Capa Bode onde “negociou à prazo” duzentos litros de gasolina com o gerente Elpídio Tinoco Aragão. O Maneta que era o bombeiro — e sabia que Zé de Lia não possuía carro  —  ainda tentou saber o que diabo iria fazer com tanto combustível. A resposta do fazendeiro ao intrometido empregado foi o silêncio.

O petróleo foi transportado na carroça do empresário Milton Aragão. Mas um pequeno incidente quase estraga os planos do fazendeiro Zé de Lia. Como a tampa do tonel estava aberta, o cheiro forte da gasolina terminou embriagando o boi “Paquetão” que quase caia dentro do poço. A tragédia só não foi maior porque o vaqueiro Carlos Broca e o tenente Valmir Pé de Burro conseguiram segurar o boi e a carroça.

Mas o tonel com os duzentos litros de gasolina — que parecia saber seu destino — foi parar no fundo o poço. Enquanto o ex-vaqueiro cuidava do “Paquetão”, os dois auxiliares retiraram o tambor que já estava vazio. E quando o prezepeiro Zé de Lia chegou na beira do buraco, botou as mãos na cabeça e bastante apreensivo falou:

— Ainda bem que salvamos o boi, a carroça e tonel — Mas a minha gasolina, a essa altura já está perto do Japão!

Plano arquitetado. Parte da tarefa executada. Vamos agora conhecer a segunda etapa do enredo...
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Às oito e quinze da noite, logo após ir ao ar o “Repórter Esso3”, Zé de Lia foi à casa do doutor Oswaldo Tupinambá Crisóstomo de Paula Athaíde Castelo Branco, conhecido como “Moeda de Mil”, que era o coletor da cidade e havia sido deputado estadual no Ceará. Ao entrar na Coletoria, o fazendeiro Zé de Lia fez uma encenação de dar inveja a qualquer ator de televisão ou até mesmo de teatro. (Moeda de Mil foi encontrado ali àquela hora porque o morava na própria repartição, para economizar despesas com aluguel).

Zé de Lia tirou o chapéu, botou as mãos na cabeça, começou a andar de um lado pro outro da sala. Ele, que vivia rindo, fechou a cara, impostou a voz e, antes que o coletor perguntasse alguma coisa, demonstrando um fingido desespero, foi logo dizendo.

— Meu grande amigo Tupinambá, agora eu cheguei à conclusão de que realmente atrás do pobre corre um bicho. E é um bicho muito grande doutor Oswaldo!  E não queira nem saber o tamanho. Porque senão o senhor não vai dormir direito hoje — arrematou.

O coletor, que havia perdido a reeleição e, para equilibrar o orçamento, se dispôs a aceitar um cargo em outro estado, morar em cidade pequena, ao ver o amigo tão aflito lembrou-se imediatamente das armadilhas da política. Mas como não queria transformar o balcão da coletoria num muro de lamentações, limitou-se em perguntar o que realmente de tão ruim havia acontecido.

O cavador de poço ao sentir que havia preparado direitinho o terreno, acendeu o charuto de palha e  pediu ao doutor Oswaldo que sentasse.

— Porque o que eu vou contar é coisa pra ouvir sentado — justificou o astuto fazendeiro, sabendo que o ex-deputado era homem de quase setenta anos de idade.

Com o interlocutor sentado, prosseguiu.

 — Doutor, não é que comecei a cavar um “buraquinho” lá na minha fazenda para dar de beber aos animais e — buscando o tom e a expressão adequada ao drama, disse —, desde ontem meu patrão, não sei o que diabo foi o que aconteceu que a água que começou a minar tinha um cheiro diferente.  E quando botei um pouquinho na boca para provar se não era salobra, quase que morro sem fôlego. O cheiro meu amigo era muito forte. Tinha uma catinga de “óleo”. Era uma nata só!

Zé de Lia botou as mãos novamente na cabeça e, fingindo demonstrar que já estivesse sendo perseguido, fingiu não se conteve. E começou a chorar...

— Meu amigo Oswaldo Tupinambá, se for o realmente o que eu estou pensando... — o suspense era sua arma —. Se for petróleo, eu nem sei o que será da minha vida daqui pra frente. Sou pobre, negro, analfabeto, não sei falar bonito assim como vocês e nem tenho advogado. E pelo que estou vendo, ou melhor, pelo que cheirei, se minhas previsões não estiverem erradas... só o senhor que mexe com dinheiro e tem amigos lá em cima, pode me tirar dessa enrascada... Que, sinceramente, já tá fedendo a gasolina queimada.

O coletor que conhecia muito bem o jeitão extrovertido do amigo Zé de Lia, depois de ouvir aquela encenação, mostrou-se apreensivo.  E talvez, por nunca ter visto o fazendeiro brincalhão tão preocupado assim, pediu que se sentasse, e foi buscar um copo de água com açúcar.

Após vê-lo mais calmo, o ex-deputado Tubinambá encontrou um jeitinho e perguntou:

–— Meu amigo Zé de Lia, que história é essa de você dizer que nem sabe mais o que vai ser de sua vida daqui pra frente? Do que é mesmo que você estava falando?

O próspero “fazendeiro” tentando recompor-se do pseudo estado de nervo em que ficara, olhou pro seu amigo coletor e, ainda com ar de preocupação, respondeu:

–— Doutor Castelo Branco, a minha vida a partir de hoje só tem dois caminhos. Ou eu vou ser um dos homens mais rico do Brasil, ou então vou ser processado e morrer “pretinho” na cadeia. Porque, se o senhor não sabe, eu estou metido com “coisa” que só o Governo Federal pode mexer. E caso se confirme o que lhe falei, a única pessoa que eu vejo que pode me ajudar negociar junto ao governo é o senhor que já foi deputado e conhece os homens lá em cima.

Quando o ex-deputado Oswaldo Tupinambá Crisóstomo de Paula Athaíde Castelo Branco começou a juntar as palavras — catinga de óleo, coisa do governo, encrenca com gente grande, o homem mais rico do Brasil —, concluiu que o seu amigo Zé de Lia estava lhe oferecendo a oportunidade de deixar de ser cobrador de impostos — e nunca mais ser importunado nas intermináveis reuniões que só serviam para exigir o aumento de arrecadação.

No mesmo instante o “quase ex-coletor” botou o fazendeiro no seu fusquinha 62 e foram até a fazenda, ou melhor, ao poço de petróleo do rio Tapuio. Quando chegaram, o astuto Zé de Lia fez questão que o amigo descesse numa corda feita de palha de buriti e, pessoalmente, verificasse (com o auxílio de duas lanternas) de onde vinha aquele cheiro forte de petróleo.

“Moeda de Mil” que pesava 132 quilos, levou a coité4 (do fazendeiro beber leite com farinha de puba às cinco horas da manhã) e, lá embaixo, fez diversos testes no centro e na periferia do poço. Ao sair — cansado e meio pouco tonto devido o cheiro forte da gasolina que Zé de Lia havia “mandado” o boi Paquetão” derramar no buraco — não tinha mais nenhuma dúvida de que, pela primeira vez, havia entrado num riquíssimo poço de petróleo.

E ali mesmo na beira da “mina” comprou a fazenda do amigão Zé de Lia “com a porteira fechada” por uma quantia dez vezes o valor de mercado. E durante o jantar — um leitãozinho de quinze quilos — oferecido pelo ex-dono da fazenda, o agora “homem forte do petróleo”, entre uma taça e outra de vinho, também adquiriu o posto de gasolina do Capa Bode.

— Porque — justificou o visionário “Moeda de Mil”, que então adiara viagem programada à capital do estado, São Luis do Maranhão, para prestar contas arrecadação do último trimestre — não faz o menor sentido ter o produto e não possuir o canal de distribuição — o extravagante sonha alto — para aos poucos, ir tornando conhecida no Brasil inteiro e, quem sabe, no resto do mundo a... — suas palavras tinham um sabor especial —  futura Companhia de Petróleo Rio Tapuio S.A.

 Naquela memorável noite do dia 31 de março de 1962 (noite de “grandes negócios”) o empreendedor Zé de Lia, com uma parte do dinheiro do “poço de petróleo”, comprou do Seu Raimundo Gildo as terras da Sumaúma — seis vezes maior do que a fazenda Tapuio — e após saber do professor Eustáquio da existência de uma jazida de calcário em seu novo terreno, o ex-vaqueiro dos Inhamuns se levantou e, de taça na mão, proclamou.

Seu Lobato tinha razão, realmente, o petróleo é nosso!

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1Sustança. Forma antiga de substância, que o nordestino usa para se referir aos nutrientes dos alimentos e ao resultado destes no indivíduo.
2Zildene Falcão é dono citada fazenda há mais ou menos 35 anos e proprietário da empresa dimapi, a maior distribuidora de impressos da região. Foi através de sua generosidade, que o autor e a meninada de sua a geração, nos anos 70, começaram a ler revistas. Doutor Zildene ofertava à população as revistas não vendidas, que chegavam a São Mateus sem as respectivas capas. (N.A.)
3“Repórter Esso” foi o mais famoso programa de rádio...
4Coité é






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