Não vai ser como antes...



Por : * Julio Ribeiro 



- Não vai ser como antes.
- Claro que vai. – ela arqueou as sobrancelhas e insistiu em sua ideia falsa. Só de olhar pra aqueles olhos me sentia triste, por que ela não queria ir, mas também não queria ficar. Queria poder deixar uma parte de si naquela sala.
- Você vai fazer novos amigos. Conhecer novos lugares... Vai se esquecer de tudo, vai ser como se nunca tivéssemos... – hesitei e olhei pra o seu rosto de reprovação. – nos conhecido.

- Então você acha que é fraco assim? – espalhou a franja pela testa, como se fosse um remédio.
- Acho que é passageiro, como tudo. Você diz que tudo vai ficar bem agora, mas não sabe o que pode acontecer, o futuro não está inteiramente nas tuas mãos, Marília. Talvez ele nunca esteja. – olhava para as paredes como se elas pudessem nos engolir, mas o pensamento as atravessava.
- Eu não sei o que está em minhas mãos, mais sei o que está enterrado na minha mente... – falou fria, irritada. – E isso ninguém e nada pode apagar. Mas agora se acha que posso ignorar isso...

- Eu não disse isso. – a interrompi.
- Então o que você disse? Fala como se eu fosse uma vadia, Pedro. Como se pudesse te trocar pelo primeiro cachorro que aparecer na esquina... Você não devia falar essas coisas... – permanecia dura e fria como uma estátua de mármore, mas de seus olhos escorreram duas espessas lágrimas.
- Está pondo palavras na minha boca.
- Está me insultando com o seu maldito silêncio.
Depois de ser maldito, ele se arrastou entre os dois por alguns segundos, até que finalmente Marília o rompeu, com sua voz esganiçada, nervosa.
- Jogos... Pedro. É isso que você vai fazer no último dia...

- Eu não estou jogando, Marília. Por que tem que ser sempre tão dramática?
Levantou ainda mais suas bonitas sobrancelhas, abrindo bem aqueles olhos perfeitos.
- Eu? – enterrou uma das mãos no colo, irônica. – Eu é que estou estragando tudo, não é?
- Você não pode controlar o seu futuro. Só foi isso o que disse.
Ela tinha que concordar comigo. Não queria comemorar nada, fingir que tudo estava bem, por que não queria momentos, queria eternidade, queria aqueles olhos e aquela voz insegura do meu lado prolongadas por mais tempo que um simples dia, ou semana.

Eu queria Marília, para mim, presa do meu lado, sem motivos para pensar em outra pessoa, ou lugar que não fossem eu e o meu lugar. Queria ser um tirano, proibi-la de atravessar a esquina. Por que não sabia o que ela desejaria no fim da tarde, e se amanhã de manhã continuaria a desejar. Por que tinha que ir pra longe? Onde isso tudo era mais complicado.
- Eu posso controlar o que sinto. – apontou para o coração, como se ele não fosse apenas um pedaço de carne vivo.
- Não. O teu sentimento é o que te controla, está chorando agora, e se irritando com minha reflexão, é por que me ama, e tem medo de me magoar. Mas esse sentimento não é eterno.

Ela abriu meia-boca, como se pudesse finalmente entender.
- Nada é eterno, Pedro. Mas enquanto não morre, devia respeitá-lo. Devia... – começou a gritar então a interrompi de novo.
- Eu não estou desrespeitando, estou apenas o negando. Eu não quero o seu coração efêmero, e passível a sujeiras, eu quero você limpa... Pra sempre.
- E o que propõe?
Finalmente voltei a olhá-la com atenção. Ela estava calma, serena.
- O fim.
O desespero e o sangue voltaram ao seu rosto alvo, antes mesmo que pudessem se acomodar.

- Eu fico, ou você vai comigo, no começo vai ser difícil, mas você ou eu podemos arrumar outro emprego. O dinheiro não é importante, ele nunca foi... Poderíamos... – ela era tão linda.
- Não! Tu estás mentindo. Não fale coisas que não pode cumprir.
Marília adorava suas bolsas e sapatos, e todos os seus amigos endinheirados. Não viveria sem o luxo que sustentava, o seu emprego era o que mais desejava, e sempre fora. Mentia.
- Eu amo você, inferno! – gritou e tremeu os lábios, até que mordeu o de baixo.
- Isso vai passar, Marília. Então vai se arrepender pela oportunidade que perdeu. Eu não vou me sentir bem, se fazer você desistir do emprego dos teus sonhos...
- Meus sonhos estão contigo. Pedro. Vem comigo então.
- Egoísta. – gritei. A ideia tinha se espalhado como uma praga na mente, e oscilava de ira para tristeza. – E eu? Marília? Eu não posso mudar de sentimento também, e minha vida, meus pais? Quer que eu os deixe?

- Eu só quero que pare de dizer essas coisas, por que elas estão me perturbando.
Egoísta, mais uma vez, pensei.
- Vai embora então. E leva contigo esses teus sentimentos passageiros, nojentos.
Ela caminhou e agarrou a bolsa, e depois parou. Olhou pra mim como se eu estivesse doente.
Eu estava?
- Você bebeu, Pedro? Está louco? Pare de dizer essas coisas...
- Eu não posso. Eu não posso parar, por que eu vou mentir pra você, e você vai mentir pra mim.
- Não percebe que está estragando tudo. Me diz o que você quer, que eu faço. Quer mesmo que eu saia nesse desespero, até ontem...
- Até ontem. Hoje é um novo dia, amanhã será outro, e assim por diante. Não se sente suja?

Lancei sem querer um olhar tenebroso, e ela podia o sentir, e eu o ver em seus olhos.
- Me sinto. – abriu bem os olhos, como se acordasse de um sono profundo, então o sangue voltou para o resto do corpo, e seus olhos ficaram límpidos e belos de novo.
- Eu me sinto suja. – disse para si mesma, soltando a bolsa, o que fez com que seus estojos se chocassem no piso.

Ela finalmente tinha entendido...



(*Julio Ribeiro 17 anos, filho de São Mateus do Maranhão, estudante de Direito no Campus de São Luís da UFMA .
Passou em terceiro na sua
modalidade de 12 vagas.)

1 comentários:

Nelin Vieira disse...

Interessante esse diálogo - um pouco rispido - desses dois jovens... mas no final, parece que o tom das "palavras" baixou e terminaram se entendendo...

Parabens Julio Ribeiro.
Precisamos nos conhecer. Eu também sou filho de São Mateus e publiquei um livro de contos.

Nelin Vieira

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