S E N T E N Ç A
Vistos etc.
Cuida-se de pedido de REGISTRO DE
CANDIDATURA ao Cargo de Vereador do Município de São Mateus do Maranhão,
confeccionado pela Coligação "A FORÇA QUE VEM DO POVO 2", em favor do
candidato HÉLIO BUERES PINTO, sob o número 55555, com a opção de nome: HÉLIO DO
CHICO PINTO.
Publicado Edital, no dia 06 de
julho do ano de 2012, para ciência dos interessados, nos termos do inc. II, do
art. 35 da Res. 23.373/2011 do TSE, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL propôs em
07/07/2012 Ação de Impugnação de Registro de Candidatura contra o candidato
(ff. 16/18).
O Impugnante alega, em suma, que
o Impugnado, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de São Mateus do
Maranhão, teve suas prestações de contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do
Estado do Maranhão - TCE/MA, relativamente ao exercício de 2007, através do
Acórdão PL TCE nºs 735/2009 (Proc. nº. 3412/2008), mantido parcialmente pelo
acórdão de nº 1946/2010, já transitado em julgado, por supostas irregularidades
insanáveis que traduzem ato de improbidade administrativa.
Com suporte nesses argumentos, o
Impugnante conclui que o Impugnado está incurso na inelegibilidade prevista no
art. 1º, I, "g" , da LC nº 64/90, e requer o indeferimento do
registro de sua candidatura. Para sustentar o alegado, junta aos autos os
documentos de ff. 19 a 46.
Através dos expedientes que
repousam nos autos, foram notificados para apresentar defesa tanto o Impugnado
como a Coligação a que pertence. No entanto, apenas o primeiro apresentou
contestação, no prazo legal, às ff. 48/86, secundada pelos documentos de ff.
87/124.
Em sua peça de resistência, o
Impugnado HÉLIO BUERES PINTO obtempera não ser inelegível.
Ressalta o Impugnado que o
Impugnante não logrou demonstrar que referidas contas foram rejeitadas por
irregularidades insanáveis e por ato doloso de improbidade, nem que a decisão
do TCE/MA seja irrecorrível.
Quanto à prestação de contas
supostamente julgada irregular, objeto dos Acórdãos PL TCE nºs 735/2009 e
1946/2010, aduz o Impugnado que estas decisões acham-se suspensas por liminar
proferida no bojo do agravo de instrumento nº. 0004134-03.2012.8.10.0000,
protocolado junto ao TJMA, cujo relator é o ilustre Des José Stélio Muniz,
manejado contra decisão proferida nos autos do processo n.º
1043.06.2012.8.10.0128, em curso perante a Justiça Estadual desta Comarca,
desfazendo por completo a inelegibilidade.
Após citar juristas, precedentes
jurisprudenciais e artigos de lei que reputa pertinentes a arrimar suas
alegações, o Impugnado pede a improcedência da AIRC.
As alegações finais de ambas as
partes apenas ratificam os termos de suas peças de apresentação.
O processo principal (DRAP) foi
julgado procedente.
Os autos vieram-me conclusos.
Eis a história relevante da
marcha processual.
Decido observando o dispositivo
no art. 93, inc. IX, da CRFB/1988; art. 7º da LC nº 64/90 c/c art 52, da
Resolução nº 23.373/2011 do TSE.
"Todos os julgados dos
órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões,
sob pena de nulidade.
Em qualquer decisão do
magistrado, que não seja despacho de mero expediente, devem ser explicitadas as
razões de decidir, razões jurídicas que, para serem jurídicas, devem
assentar-se no fato que entrou no convencimento do magistrado, o qual
revestiu-se da roupagem de fato jurídico"
- Motivação
Antes de qualquer consideração,
sobre o tema, incumbe-me destacar a jornada laboriosa do Juiz de Direito Marlon
Jacinto Reis, quando de suas peregrinações, já nos idos de 2008, na liderança
da "Campanha Eleições Limpas", como resultado do Movimento de Combate
à Corrupção Eleitoral (MCCE), por ele criado, que culminou a aprovação da tão sonhada
LC nº 135/2010, esta já conhecida Lei da Ficha Limpa, com a qual tenho a
oportunidade de operar neste momento.
Esse notável Magistrado, no seu
artigo intitulado "Além da ficha limpa" , ao versar sobre o tema
moralidade nas eleições, leciona que: "A Ficha Limpa é um passo importante
nessa direção, convidando à sedimentação de uma representatividade política
mais compatível com as aspirações internas e externas de um país que evolui tão
acertadamente em outros campos. Apenas um Parlamento formado por uma
representação adequada poderá constituir a grande mesa de diálogo em torno da
qual se consolidarão as ideias de democracia e República de que depende o nosso
futuro." Como costuma afirmar Marlon Reis, a campanha da ficha limpa
reclama continuidade. "Ela demanda a permanência da mobilização até o
completo desfazimento do ciclo que atravanca nossa institucionalidade
política."
De igual sorte, outro adendo,
cumpre-me, felizmente inserir. É que não há como deixar de tecer elogios ao
zeloso e atuante representante do órgão Ministerial Eleitoral, Dr. Clodomir
Bandeira Lima Neto, lotado na Promotoria de São Mateus/MA, por sua coragem na
defesa de toda a coletividade, bem como do interesse público primário e sua
aguçada inteligência que contribui para a interpretação e aplicação das leis da
nossa República, em especial a LC nº 64/90 e LC nº 135/10, bem como das
Resoluções do TSE.
Preambularmente, antes de
adentrar no ponto nodal da questão posta em juízo, digo que não há necessidade
de conversão do feito em diligência para o julgamento deste pedido de Registro
de Candidatura. As provas juntadas fornecem-me suficientes elementos para a
elucidação dos fatos, permitindo-me segura conclusão, de modo que nada se
precisa a elas acrescer. É que nenhuma das partes arrolou testemunhas, e nem
pediu diligências finais. O feito se acha maduro para julgamento.
Em que pese a espessura do
caderno processual, este pedido de registro é de fácil deslinde eis que sobre a
matéria de fato não há mais necessidade de produção de prova em audiência, de
forma que é o caso de se julgar antecipadamente a lide, conforme autoriza o
art. 330, I, da Lei Adjetiva Civil, aplicável de forma subsidiária; art. 42 da
Resolução nº 23.373/11 do TSE e o art. 5º, caput, da LC nº 64/90. Sem dúvida,
desnecessária a designação de audiência, haja vista tratar-se de matéria apenas
de direito. Assim, não há controvérsia a respeito dos fatos, tratando-se de
matéria exclusivamente de direito.
Inicialmente registro por
imperioso e oportuno que para que uma pessoa possa se candidatar a um mandato
eletivo, exercendo sua capacidade eleitoral passiva, não basta que ela esteja
no pleno gozo de seus direitos políticos, ou usufruindo o direito de ser votado
(ius honorum). É preciso que ela implemente uma série de outros requisitos,
indicados pela lei, e que são uniformes para todos os candidatos. Mais do que
isso, é preciso que o cabal atendimento a esses se dê dentro dos prazos fixados
também pela lei, ou por resoluções do TSE. A esse conjunto de exigências a
serem satisfeitas é que dá conta da condição de elegibilidade, e por via de
conseqüência lógica o deferimento de seu registro de candidatura.
Tecidas essas indispensáveis
ponderações iniciais, verifica-se que o pedido de registro de candidatura de
HÉLIO BUERES PINTO foi impugnado pelo douto representante do MINISTÉRIO PÚBLICO
ELEITORAL, DR. CLODOMIR BANDEIRA LIMA NETO, sob o argumento de que o mesmo
estaria incurso na inelegibilidade de que cuida o artigo 1º, inciso I, alínea
"g" , da Lei Complementar nº 64/1990, que a opinião pública apelidou
de ¿FICHA SUJA" .
É que a chamada "Lei da
Ficha Limpa" (Lei Complementar nº 135, de 04/06/2010) foi editada
principalmente para impedir candidatura de agente político condenado com base
na Lei Geral de Improbidade Administrativa - LGIA (Lei nº 8.429, de
02/06/1992), antes do trânsito em julgado da sentença.
Em investigação mais profunda,
vejo a meu sentir que deve prevalecer a ótica interpretativa que privilegie a
proteção dos interesses maiores de toda a coletividade, que afirme a probidade
e a moralidade administrativas, que coíba o abuso no exercício de funções
públicas, pois são estes vetores, em última instância, dos mais elevados
valores a serrem preservados quando se tem em jogo o exercício dos direitos
políticos.
Tocantemente a Lei da Ficha
Limpa, está simboliza mais um avanço no sentido de moralizar a nossa vida
política. Fruto da mobilização de número expressivo de nossos concidadãos,
sendo, portanto, uma das nossas raras leis de iniciativa popular.
Pois bem. Do caderno processual
se infere que o Impugnado HÉLIO BUERES PINTO teve sua prestação de contas do
exercício de 2007, quando era Presidente da Câmara Municipal de São Mateus do
Maranhão, rejeitada pelo TCE/MA.
Quanto ao exercício questionado,
objeto da prestação de contas nº 3412/2008, assevera o Impugnante que o Acórdão
PL TCE nº 1946/2010 rejeitou as contas do Impugnado e transitou em julgado. Em
contrapartida, o Impugnado diz que tal Acórdão está com seus efeitos suspensos
por força de liminar proferida nos autos do agravo de instrumento nº
0004134-03.2012.8.10.0000, em curso perante o egrégio Tribunal de Justiça do
Maranhão. Acrescenta o Impugnado que os Acórdãos nºs 735/2009 e 1946/2010 não
traduzem irregularidades insanáveis que configurem atos dolosos de improbidade
administrativa.
Compulsando o caderno probatório,
observo que a prestação de contas do exercício de 2007 foi apreciada através do
processo nº. 3412/2008, em cujo bojo surgiu o Acórdão PL TCE nº 735/2009, que
rejeitou as contas do Impugnado. Manejado recurso de reconsideração pelo
impugnado, o TCE/MA proferiu novo acórdão (nº 1946/2010), retirando algumas das
irregularidades e reduzindo o montante da multa.
Todavia, acionada a Justiça Comum
de 2º Grau, conseguiu o impugnado a suspensão dos efeitos do referido julgado,
mediante liminar concedida em ação judicial proposta no ano corrente (o já
referido agravo de instrumento).
Feitas essas considerações, passo
agora à subsunção dos fatos à norma insculpida no art. 1º, inciso I, alínea
"g" , da LC nº 64/90.
O Acórdão PL TCE nº 735/2009 foi
proferido pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, apreciando prestação
de contas do Impugnado na qualidade de ordenador de despesas (Presidente de Câmara
Municipal de São Mateus do Maranhão), e está juntado às ff. 19/21. Tentada a
reconsideração, o Tribunal de Contas proferiu novo acórdão, PL TCE nº
1946/2010, o qual teve o trânsito em julgado atestado pela certidão de f. 24.
Trata-se, então, de "contas relativas ao exercício de cargos ou funções
públicas", rejeitadas "por decisão irrecorrível do órgão
competente".
As irregularidades apontadas pelo
TCE no primeiro acórdão e mantidas mesmo após o recurso de reconsideração foram
as seguintes (ff. 26/30):
a) prestação de contas
encaminhada intempestivamente;
b) prestação de contas
incompleta, deixando de constar plano de carreiras, cargos e salários dos
servidores da Câmara Municipal;
c) ausência dos decretos que
abrem créditos suplementares do mês de novembro;
d) a despesa total do legislativo
municipal ultrapassou o valor do repasse;
e) ausência de licitação para
contratação de serviços jurídicos, para a compra de materiais de consumo, para
contratação de serviços contábeis, para compra de combustível e para locação de
veículos;
f) ausência de guias de
transferência da Câmara Municipal para o Banco Morada;
g) ausência de comprovantes de
despesa relativas a CEMAR com as devidas autenticações bancárias;
h) ausência de transferência da
Câmara Municipal para o Poder Executivo através do Documento de Arrecadação
Municipal;
i) ausência das autenticações
bancárias nas faturas das contas telefônicas;
j) remuneração dos vereadores
acima do limite estipulado em lei;
l) ausência de recolhimento de
INSS dos servidores da Câmara;
m) ausência de retenção e
recolhimento da contribuição previdenciária dos vereadores da Câmara;
n) escrituração e consolidação
das contas sem atender aos requisitos legais;
o) balanço geral assinado por
pessoa não autorizado (descumprindo a IN 009/2005 TCE-MA); e
p) ausência de publicação e
encaminhamento dos Relatórios de Gestão Fiscal do exercício financeiro.
A meu sentir, o problema maior
repousa nos itens "e" , "j" e "p" , pois, como se
sabe, a lei exige que a irregularidade seja insanável e, concomitantemente, se
configure como ato doloso de improbidade administrativa para que possa incidir
a inelegibilidade.
Afinal, a realização de despesas
em valores maiores que os percentuais máximos estabelecidos pela Carta
Republicana (item "j" , pois os vereadores, de acordo com a decisão
do TCE/MA, receberam no exercício financeiro de 2007 subsídios superiores ao
disposto no art. 29, VI, da Constituição Federal) constitui ato doloso de
improbidade administrativa, segundo orientação já sedimentada pela Instância
Superior, in verbis:
O pagamento de subsídios aos
vereadores em percentual superior ao previsto no art. 29, VI, da Constituição
Federal, com elevação de 59% e em afronta ao art. 37, X, também da Constituição
Federal, uma vez que o aumento superou em muito o reajuste concedido aos
servidores (10%) e o pagamento de assistência médica aos vereadores, com
violação do art. 39, § 4o, da Constituição Federal, constituem irregularidades
de natureza insanável.
[...]
(AgR-REspe n° 30.000/SP, PSESS de
11.10.2008, rei. Min. Joaquim Barbosa) (grifamos)
ELEIÇÕES 2008. AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. REJEIÇÃO DE CONTAS.
IRREGULARIDADE INSANÁVEL. PAGAMENTO. SUBSÍDIOS. VEREADORES. EXTRAPOLAÇÃO.
LIMITE. INELEGIBILIDADE.
1. Constitui vício insanável, a
atrair a incidência da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g,
da LC nº 64/90, a extrapolação no limite de gastos com a remuneração dos
agentes políticos.
2. Na linha dos precedentes deste
Tribunal, é incabível inovação das teses recursais no âmbito do agravo
regimental.
3. Agravo regimental desprovido.
(Agravo Regimental em Recurso Especial
Eleitoral nº 33034, Acórdão de 11/12/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES
RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 11/12/2008 )
Quanto ao item "e" , a
ausência de licitação para a contratação de serviços ou compra de produtos,
pela Administração Pública, consubstancia "irregularidade insanável"
e grave. Significa que o gestor público desrespeitou literalmente o art. 37,
inciso XXI, da CRFB/88, e fez pouco caso da integralidade da Lei nº 8.666/93
(Lei das Licitações), não sendo passível de emenda ou conserto, visto que o
gasto já foi feito, e não há como convalidar o ato que o autorizou.
A conduta do gestor de deixar de
realizar ou dispensar indevidamente licitação para aquisição de bens e
serviços, com reflexos no patrimônio público, tal como apontado pela Corte de
Contas competente, além de irregularidade insanável, constitui ato doloso de
improbidade administrativa, consistente na vontade livre e consciente de
dispensar ou deixar que se dispense indevidamente a realização de procedimento
licitatório, com dano ao erário, enquadrando-se na hipótese do art. 10, VIII,
da Lei nº 8.429/92, cuja aferição é possível no âmbito da Justiça Eleitoral,
desde que as contas tenham sido rejeitadas e não se achem suspensas por ordem
judicial.
Cito o seguinte precedente,
oriundo do Maranhão, que radiografa com fidelidade o caso dos autos :
AgR-RO - Agravo Regimental em
Recurso Ordinário nº 323019 - São Luís/MA
Acórdão de 03/11/2010
Relator(a) Min. ALDIR GUIMARÃES
PASSARINHO JUNIOR
Publicação:
PSESS - Publicado em Sessão, Data
3/11/2010
Ementa:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO
ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. DEPUTADO ESTADUAL. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE
CONTAS. TCE/MA. GESTOR DE FUNDO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. LICITAÇÃO. DISPENSA
INDEVIDA E NÃO COMPROVAÇÃO. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. DESPROVIMENTO.
1. A inelegibilidade do art. 1º,
I, g, da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº
135/2010, exige, concomitantemente: a) rejeição de contas, relativas ao
exercício de cargo ou função pública, por irregularidade insanável que
configure ato doloso de improbidade administrativa; b) decisão irrecorrível
proferida pelo órgão competente; c) inexistência de provimento suspensivo ou
anulatório emanado do Poder Judiciário.
2. As irregularidades constatadas
pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão - dispensa indevida de licitação
para contratação de serviços diversos e ausência de comprovação de tal
procedimento para aquisição de gêneros alimentícios - são insanáveis e
configuram, em tese, atos de improbidade administrativa, a teor do art. 10,
VIII, da Lei nº 8.429/92. No caso, a decisão que rejeitou as contas do
agravante transitou em julgado em 21.10.2009.
3. Não compete à Justiça
Eleitoral aferir o acerto ou desacerto da decisão prolatada pelo tribunal de
contas, mas sim proceder ao enquadramento jurídico das irregularidades como
sanáveis ou insanáveis para fins de incidência da inelegibilidade do art. 1º,
I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido.
Ao mesmo norte aponta o TSE:
RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE
CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. PARCELAMENTO DO DÉBITO APÓS A DATA
DO PEDIDO DE REGISTRO. ART. 11, I, § 8º, DA LEI Nº 9.504/97. INELEGIBILIDADE.
ART. 1º, I, g, DA LC Nº 64/90. PAGAMENTOS IRREGULARES A SERVIDORES E
VEREADORES. NÃO ADOÇÃO DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VÍCIOS INSANÁVEIS QUE
CONFIGURAM ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DA ÍNTEGRA DO
ACÓRDÃO QUE REJEITOU AS CONTAS DO PRÉ-CANDIDATO. DISPENSABILIDADE, NO CASO,
ANTE A SUFICIENTE DESCRIÇÃO, NA EMENTA, DAS IRREGULARIDADES CONSTATADAS.
3. Os vícios constatados na
espécie, tais como a realização de diversos pagamentos irregulares a vereadores
e servidores do órgão, bem como a não adoção de procedimento licitatório,
possuem natureza insanável e caracterizam ato doloso de improbidade
administrativa, atraindo a incidência da inelegibilidade prevista na alínea g
do inciso I do artigo 1º da LC nº 64/90.
4. Agravo regimental desprovido.
(Agravo Regimental em Recurso
Ordinário nº 219796, Acórdão de 28/10/2010, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES
RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 28/10/2010 )
Em relação ao item "p"
, também estamos diante de irregularidade grave e insanável. A ausência de
publicação dos relatórios fiscais é ato doloso de improbidade administrativa
previsto no art. 11, IV, da Lei n.º 8.429/92, por se tratar de ato em clara
afronta ao princípio da publicidade, um dos vetores magnos da Administração
Pública.
No cotejo das provas, entendo que
tais irregularidades, todas elas, acham-se comprovadas nos autos. Os Acórdãos
juntados, como todo ato administrativo, gozam de presunção de veracidade e
legitimidade, que pode ser desconstituída à luz de contraprova sobeja produzida
pela parte interessada. In casu, o Impugnado não se desincumbiu de tal ônus de
provar fatos desconstitutivos, modificativos ou extintivos do direito alegado
pelo Parquet, visto que nem sequer especificou provas ou postulou diligências
finais, contentando-se com o simples embate de ideias e documentos.
Entendo que o reconhecimento do
ato doloso de improbidade administrativa nesta seara Eleitoral não configura
juízo de valor sobre a conduta do candidato enquanto candidato, mas apenas a
verificação de critério jurídico-político autorizado constitucionalmente
(CRFB/88, art. 14, 9.º). E aqui é inevitável trazer a lume as legítimas
preocupações do Juiz Marlon Reis.
Já no momento em que esse
pré-claro Magistrado idealizava o projeto da Lei da Ficha Limpa, preocupava-lhe
o fato de não se deixar ¿abertura para que um juiz ou tribunal eleitoral decida
sobre quem deve ser ou não candidato segundo a própria subjetividade dos
julgadores." Tal preocupação, com efeito, é memorável, pois evita que o
Poder Judiciário interfira indevidamente no jogo político ou mesmo na vontade
do eleitor.
Pois bem. Consoante demonstrei,
inclusive arrimado nos citados precedentes da Corte Regional, o reconhecimento
do ato doloso de improbidade administrativa é-me perfeitamente possível, sem
que, com isso, haja elucubrações sobre a conduta do candidato.
Com efeito, tenho a acrescer que
o ato doloso e ímprobo ora apreciado como condição objetiva deu-se muito antes
de o Impugnado assumir o presente status de candidato neste pleito. O que estou
a verificar nesta oportunidade é tão somente uma situação objetiva (contas
rejeitadas) pré-existente, a qual retira, temporariamente, do Impugnado sua
condição de elegibilidade.
Colho do magistério do Juiz
Marlon Reis, em seu magnífico artigo "Campanha Ficha Limpa: a consideração
objetiva da vida pregressa" , que a condição impeditiva que opera contra o
Impugnado se aperfeiçoou fora deste processo de registro de candidatura, ¿em
outra oportunidade e por instâncias e juízos distintos" . Arremata o
notável magistrado: ¿Quando se veda a elegibilidade de quem teve suas contas
públicas rejeitadas por vícios insanáveis, não se discute na Justiça eleitoral
sobre os motivos do órgão responsável por essa reprovação. Procura-se não a
punição do administrador ímprobo ao assentar-lhe essa inelegibilidade, mas a
prevenção da sociedade contra candidatos que já possuem sinais de que
desservirão ao interesse público."
À luz essas considerações, tenho
que pesam contra o Impugnado HÉLIO BUERES PINTO, em concomitância, os elementos
exigidos pelo art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90, com a redação dada
pela Lei Complementar nº 135/2010, a saber: a) rejeição de contas, relativas ao
exercício de cargo ou função pública, por irregularidade insanável que
configure ato doloso de improbidade administrativa; e b) decisão irrecorrível
proferida pelo órgão competente.
Agora, resta enfrentar o elemento
derradeiro, o provimento judicial favorável à suspensão dos efeitos dos
acórdãos, proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Maranhão, pelo ilustre
relator José Stélio Muniz. Muito embora exista tal determinação (mandando
suspender os efeitos inibidores de elegibilidade dos dois acórdãos proferidos
pelo TCE/MA), entendo que, ainda assim, persiste a inelegibilidade.
De logo, adianto não desconhecer
o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de descaber à Justiça
Eleitoral examinar o aspecto meritório das decisões judiciais que suspendam os
efeitos de acórdãos emanados dos Tribunais de Contas (AGRAVO REGIMENTAL EM
RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 23018, de 11/10/2004, rel. Min. CARLOS EDUARDO
CAPUTO BASTOS Ac. nº 22.384, de 18.9.2004, REspe nº 22.384, rel. Ministro
Gilmar Mendes; e Ac. nº 16.557, de 21.11.2000, EDclAgRgREspe nº 16.557, rel.
Min. Nelson Jobim). Todavia, o caso que tenho em mãos é especial e refoge do
ordinário.
O impugnado, após não conseguir
obter provimento judicial favorável no Juízo da Justiça comum estadual da
comarca de São Mateus do Maranhão, socorreu-se, de forma legítima, ao Tribunal
de Justiça do Estado do Maranhão, onde obteve, então, decisão prolatada pelo
eminente relator José Stélio Muniz determinando a suspensão dos efeitos dos
acórdãos nºs 735/2009 e 1946/2010, exarados no âmbito do processo 3614/2008. A
decisão liminar se deu em sede de agravo de instrumento (tendo sido agravada,
por óbvio, a decisão denegatória proferida pelo Juízo de 1º grau).
O procedimento de interposição do
agravo de instrumento comporta uma peculiaridade: como o ajuizamento se dá,
diretamente, na instância superior, faz-se mister comunicar o Juízo recorrido,
em até 03 (três) dias, da interposição do recurso, acompanhada a comunicação do
comprovante de interposição e da relação de documentos que instruíram o
petitório.
Aqui reside o problema: muito
embora comunicado o Juízo recorrido tempestivamente (dentro do prazo de três
dias), o recorrente (ora impugnado) não apresentou a relação de documentos que
instruíram o recurso. A desobediência à norma insculpida no art. 526 do Código
de Ritos Civil é cristalina e evidente.
Resta lembrar que o artigo em
questão, em seu parágrafo único, traz norma que define as conseqüências para o
caso de descumprimento de seus termos: a inadmissibilidade do agravo.
Então, vejamos. O impugnado
obteve decisão liminar favorável ao seu pleito, porém, por descumprir norma
prevista no Código de Processo Civil (que define, a priori, a conseqüência para
o seu descumprimento), o seu agravo de instrumento é inadmissível.
Sendo inadmissível o recurso, sem
efeito ficará a decisão liminar que sustenta, em tese, a ação de anulação de
ato jurídico.
Ora, sendo assim, impossível
emprestar efeitos à liminar em questão, pois, caso o façamos, um candidato
inelegível poderá concorrer à eleição, em clara afronta à LC nº 64/90
(modificada pela LC nº 135/2010).
Não é demais realçar que o
Supremo Tribunal Federal (STF), no já célebre julgamento da constitucionalidade
da LC nº 135/2010, trouxe implícita a mensagem de que, em matéria eleitoral, o
interesse público de ter representantes idôneos na política sobrepuja o
interesse individual do cidadão de ser candidato.
Se até o princípio do status
jurídico de inocência cedeu lugar ao princípio da moralidade e da probidade
administrativas - conforme assentado de forma peremptória pelo STF naquele
julgado, ao reputar constitucional a hipótese de inelegibilidade antes do
trânsito em julgado da sentença penal condenatória -, inviável aceitar a
candidatura de alguém quando já sabido, de antemão, que a liminar que,
precariamente, sustenta seu pleito é destituída de efeitos, por
inadmissibilidade do recurso que a gerou.
Destaque-se que este Magistrado
subscritor, na qualidade de Juiz da comarca de São Mateus do Maranhão/MA, em
informações prestadas ao Desembargador Relator do Agravo de Instrumento
multicitado, relatou a ausência da listagem de documentos obrigatórios na
comunicação de interposição de agravo que foi encaminhada ao processo n.º
1043.06.2012.8.10.0128. Por ser fato de meu conhecimento direto - por ser o
Juiz competente da ação instaurada na comarca de São Mateus do Maranhão/MA -,
posso aqui elenca-lo sem a necessidade de provas.
Daí a razão, portanto, de nosso
entendimento contrário, neste caso específico, ao propugnado pelo TSE. A razão
de avaliarmos a regularidade do procedimento contestatório e o mérito da
decisão liminar proferida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão se dá,
repita-se, com o fito único de respeitar o entendimento do STF - órgão judicial
de cúpula de nosso ordenamento -, ainda que contrário ao entendimento do TSE,
órgão judicial que, embora superior em matéria eleitoral, encontra-se, ele
também, submetido às decisões do nosso Tribunal Constitucional.
A decisão liminar, então, é
destituída de efeitos, pois inadmissível o recurso, por falha grave em seu
procedimento; fechar os olhos para esta realidade seria aceitar o ilícito,
compactuar com o irregular, acatar a improbidade. A tanto me recuso.
Entender de forma contrária,
penso eu, seria fazer tabula rasa da LC nº 135/2010 e de seus vetores
sociológicos de criação, pois, na lição de Marlon Reis (In "Ficha Limpa e
a polêmica dos tempos verbais" ), "a lei estaria sendo interpretada
de um modo absolutamente inverso ao que motivou milhões de brasileiros e a
unanimidade da Câmara e do Senado a vedar as candidaturas que a sociedade quis
proibir." Com efeito, "Qualquer interpretação em sentido diverso
ofende a imensa mobilização social que motivou as profundas alterações
realizadas na Lei de Inelegibilidades."
É que o dispositivo citado tem em
mira a proteção da probidade administrativa e a moralidade para o exercício do
mandato em vista da experiência pregressa do candidato como agente político
(executor do orçamento) e gestor público (ordenador de despesas).
Sendo assim, por todas as razões
expendidas, acato o bem confeccionado pedido de impugnação do Ministério
Público Eleitoral e, via de conseqüência, indefiro o pedido de registro do
candidato.
- Dispositivo sentencial -
ISSO POSTO, e por tudo mais que dos
autos constam, gizadas estas razões decidir, com fundamento no art. 131, da Lei
Adjetiva Civil, e, ainda, atento procedimentalmente no art. 7º da LC nº 64/1990
c/c art. 43 da Resolução nº 23.373/11 do TSE, JULGO PROCEDENTE A AÇÃO DE
IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA, com resolução de mérito (art. 269, I,
primeira parte, do CPC), proposta pelo representante do MINISTÉRIO PÚBLICO
ELEITORAL, contra HÉLIO BUERES PINTO, por ser este inelegível para qualquer
cargo (art. 1º, inciso I, alínea "g" , da LC nº 64/90) e via de
consequência lógica, INDEFIRO o seu pedido de Registro de Candidatura.
A presente decisão será publicada
em cartório ou no Diário de Justiça Eletrônico, passando a correr deste momento
o prazo de 3 (três) dias para a interposição de recurso para o TRE-MA (§ 1º do
art. 52 da supracitada Resolução).
Procedam as demais anotações e
comunicações de praxe e estilo.
Registre-se. Publique-se.
Intimem-se. Cumpra-se.
Após o trânsito em julgado,
certifique-se e arquive-se, com baixa na distribuição.
Despacho em 06/07/2012 - RCAND Nº
22557 Juiz(a) MARCO AURÉLIO BARRÊTO MARQUES
Registre-se. Autue-se na Classe
Registro de Candidatura (RCAND), de acordo com os procedimentos do art. 36, da
Resolução TSE n.º 23.373/2012.
Proceda-se a conferência da
documentação apresentada pelo requerente, nos termos do disposto nos artigos 25
e 27 da Resolução TSE n.º 23.373/2012.
Em caso de omissão ou
irregularidade na documentação ou mídia eletrônica apresentadas, notifique-se o
requerente para que, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, supra o defeito
constatado (arts. 23, 32 e 38 da Resolução TSE n.º 23.373/2012).
Providencie a imediata leitura e
aceite, no Sistema de Candidaturas (CAND), dos arquivos magnéticos gerados pelo
Sistema CANDex, contendo os dados constantes do formulário Demonstrativo de
Regularidade de Atos Partidários - DRAP e Requerimento(s) de Registro(s) de
Candidatura(s) - RRC¿s.
Publique-se EDITAL, com prazo de
05 (cinco) dias, no átrio do Fórum Eleitoral, sobre o(s) pedido(s) de
registro(s) de candidatura(s) do Partido/Coligação, para ciência e eventuais
impugnações pelos interessados (art. 3º, LC n.º 64/90).
Ato contínuo, analise a
documentação apresentada pelo(s) Partido(s)/Coligação(ões), procedendo-se as
devidas anotações no Sistema de Candidaturas - CAND e certificando-se nos
autos, nos termos dos arts. 36 e 37, da Resolução TSE 23.373/2012.
Havendo impugnação ao registro de
candidatura, notifique-se o impugnado, para, querendo, no prazo, de 07 (sete)
dias, apresentar contestação, indicar testemunhas, requerer e juntar provas
(art. 4º, LC n.º 4/90).
Encerrado o prazo de impugnação
e/ou da contestação, inquiridas as testemunhas, bem como cumpridas as
diligências e apresentadas as alegações finais, se for o caso, e observada a
norma contida no art. 37, da Resolução acima especificada, abra-se vista ao
Representante do Ministério Público Eleitoral, retornando-me, em seguida, os
autos conclusos para apreciação.
Cumpra-se.
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