O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
considera um equívoco a decisão tomada pelos governos das décadas de
1980, 1990 e começo dos anos 2000 de deixar ao setor privado
investimentos que cabem ao Estado.
Em estudo divulgado ontem (14), os pesquisadores Carlos Alvares da
Silva Campos Neto e Fernanda Serna de Moura indicam que o período
compreendido pelos governos de José Sarney (1985-90), Fernando Collor
(1990-92), Itamar Franco (1992-94) e Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002) foi guiado pela leitura de que o setor privado poderia ser
uma alternativa para a garantia dos investimentos necessários ao
desenvolvimento nacional e ao bem-estar social.
“Contudo, deve-se ter clareza sobre os limites para o interesse do
capital privado – o retorno financeiro dos empreendimentos”, adverte o
comunicado. “Ressalta-se que a estruturação de financiamento a projetos
de infraestrutura fica condicionada às expectativas de viabilidade
econômico-financeira.” Em outras palavras, neste período de quase duas
décadas o setor privado fez aportes unicamente nas áreas nas quais
vislumbrava uma alta taxa de retorno, como em energia.
Os pesquisadores consideram que o transporte público foi o mais
prejudicado por esta leitura, o que inclui rodovias, ferrovias, portos e
aeroportos. De 2003 a 2010, durante o governo Lula, o Estado recuperou a
capacidade de desenvolvimento do setor e os investimentos totais,
somado o setor privado, foram de R$ 7 bilhões a R$ 23,4 bilhões. “Este
resultado reflete a decisão do governo de assumir postura ativa na
melhoria da infraestrutura de transporte no país, a fim de reduzir os
gargalos ao desenvolvimento”, observa o Ipea. Na malha rodoviária a
expansão foi de R$ 2,9 bilhões para R$ 14 bilhões. O aporte particular
manteve-se praticamente inalterado ao longo de duas décadas, em R$ 1,8
bilhão, havendo uma ampliação apenas a partir de 2008, por meio do
estímulo estatal do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A mesma curva para cima é registrada no setor ferroviário, que
mantinha rumo incerto de investimentos públicos até 2008, momento a
partir do qual o governo toma a decisão de que a expansão da malha se
dará pelo trabalho da concessionária pública Valec, o que triplica o
montante investido em relação ao último ano do governo FHC – R$ 5,53
bilhões.
O estudo inclui ainda dois alertas. O primeiro é o de que no setor
aeroviário há um quadro diferente em relação às demais modalidades de
transporte. Apesar de o aporte público passar do nada no final da gestão
do PSDB para R$ 1,3 bilhão no último ano de Lula, a leitura é de que se
trata de um montante “ainda limitado diante das necessidades oriundas
do forte crescimento da demanda por transporte aéreo no Brasil”, o que
exige a participação privada. Em fevereiro, o governo de Dilma Rousseff
concedeu os terminais de Cumbica, em Guarulhos, Viracopos, em Campinas, e
Juscelino Kubitschek, em Brasília, por R$ 24,5 bilhões, operação que levantou um debate em torno das privatizações entre PT e PSDB.
O outro ponto para o qual o Ipea chama atenção é para a necessidade
de que o Estado não deixe de lado seu papel indutor do desenvolvimento,
sob pena de retornar à situação pré-2003. “Em caso de restrições às
despesas”, diz o Ipea, as empresas privadas “limitarão suas aplicações,
podendo provocar reversão do processo de recuperação e ampliação destas
infraestruturas.”
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