Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA -
No mesmo momento em que a corregedora-nacional de Justiça, Eliana
Calmon, defendia punição a “meia dúzia de vagabundos que estão
infiltrados na magistratura”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
aposentava compulsoriamente o juiz da 5ª Vara Cível da Comarca de São
Luís (Maranhão), José de Arimatéia Correia Silva. As investigações do
CNJ mostraram que ele atuava de forma dirigida a multiplicar os valores
de indenizações cobradas de grandes empresas e bancos. Apesar de ter
sido punido, algumas de suas decisões são irreversíveis.
Em um
dos casos relatados ao CNJ, a matemática do juiz José de Arimatéia
transformou um pedido de indenização de R$ 20 mil em uma pena de R$
3.329.155,72. Desse total, R$ 964.588,37 foram liberados numa canetada
pelo juiz. Dinheiro que não volta mais aos cofres da em presa Marcopolo,
mesmo com a decisão do CNJ e mesmo que consiga reverter o processo no
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Juiz aposentado José de Arimatéia Correia Silva
Em outro caso, a vítima foi o Banco do Brasil. Uma disputa entre o
banco e a empresa Del Rey Transporte e Comércio tramitava na Justiça
desde 2000. Na época, o valor em discussão era de R$ 392.136,14. Oito
anos depois de iniciado o processo, José de Arimatéia, valeu-se de sua
autoridade para determinar de imediato o bloqueio de R$ 1.477.232,05 nas
contas do BB.
Em seguida, determinou a transferência desse
montante para uma conta judicial, sem exigir da Del Rey uma caução para o
caso de um recurso do Banco do Brasil ser deferido e o dinheiro ter de
voltar aos seus cofres. Por conta dessa falha detectada pelo banco e
confirmada pelo CNJ, o Banco do Brasil resistia a cumprir a decisão.
José de Arimatéia determinou então a transferência dos recursos em duas
horas. Caso contrário, o BB teria de pagar multa de R$ 15 mil por hora.
Para garantir o pagamento, o juiz determinou a busca e apreensão do
valor em qualquer uma das agências do Banco do Brasil. Em caso de
resistência, José de Arimatéia determinou a intervenção policial.
Um terceiro processo julgado por José de Arimatéia atingiu os cofres da
Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão (Caema) numa ação movida pela
Construtora Vale do Paraíba Ltda. Conforme informações do CNJ, em
decisão liminar, sem o pedido da construtora e sem exigir caução, o juiz
determinou o bloqueio de R$ 2.414.191,09 das contas da Caema.
Antes mesmo de a Companhia de Águas ser citada judicialmente dessa
decisão, o magistrado determinou a liberação dos recursos. No final das
contas, conforme cálculos do CNJ, foram liberados R$ 3.357.426,36, quase
R$ 1 milhão a mais do que havia determinado inicialmente.
Num
segundo caso envolvendo Caema e Covap, José de Arimatéia determinou o
bloqueio de R$ 526.840,51 das contas da Companhia de Águas. Assim como
fez no primeiro caso, antes mesmo de citar judicialmente a Caema e sem
cobrar o pagamento da caução pela parte contrária, o que é exigido pela
legislação, o magistrado determinou liminarmente a liberação do
dinheiro.
Alguns desses casos chegaram ao Conselho Nacional de
Justiça pelas mãos das próprias empresas. Algumas delas relataram ao
então corregedor-nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, que era a
única forma que encontraram para se defender de decisões que o próprio
conselho classificou como absurdas.
Em razão de todos os casos,
os integrantes do CNJ decidiram aplicar a pena máxima a José de
Arimatéia: a aposentadoria compulsória com pagamento de benefício
proporcional ao tempo de serviço.
Caso simbólico.
Manoel Raimundo Figueiredo Ferreira Júnior, um perueiro de São Luís
(Maranhão), comprou um microônibus ano 2005/2006 da empresa Marcopolo,
que custa algo em torno de R$ 120 mil. Em 2006, um defeito mecânico foi
constatado e a empresa encaminhou o veículo para o conserto. No caminho
da oficina, um acidente com o caminhão guincho provocou novas avarias no
veículo e atrasou sua devolução.
Em razão do atraso, Ferreira
Júnior pediu assistência jurídica gratuita para processar a Marcopolo.
Mas dois advogados assumiram a causa de Ferreira Júnior. No processo, o
perueiro pediu um novo microônibus e uma indenização de R$ 20 mil por
danos morais. O pedido foi aceito pelo juiz que estava a frente do caso à
época. O descumprimento da decisão importaria em multa diária de R$ 1
mil.
A partir daí, uma sequência de fatos transformou o caso no
exemplo de desmandos recentemente dado pela corregedora-nacional de
Justiça, Eliana Calmon, em sessão da Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) ao defender a punição de “meia dúzia de vagabundos que estão
infiltrados na magistratura”. Todos os dados, idas e vindas, constam do
processo que tramitou no CNJ.
No curso do processo, a Marcopolo
contratou um novo advogado para atuar no processo. Todas as decisões e
intimações, a partir daí, deveriam ter como endereço este novo advogado.
Mas não foi o que ocorreu. Quando a sentença no caso foi prolatada, o
advogado não foi comunicado. Mesmo assim, o prazo para recurso contra a
decisão começou a contar.
Quando o erro na comunicação foi
corrigido, o novo advogado da Marcopolo recorreu da sentença. Numa
primeira decisão, a apelação foi recebida. Num segundo momento, após
recurso do perueiro, o juiz José de Arimatéia mudou o entendimento e
rejeitou a apelação, pois estaria fora do prazo. Numa terceira decisão
sobre o mesmo recurso, o juiz Gilberto de Moura Lima reformou o
entendimento do colega. Mas numa quarta investida, José de Arimatéia
alterou novamente o curso do caso e rejeitou pela segunda vez a
apelação.
A Marcopolo então recorreu ao Tribunal de Justiça,
tentando reformar a decisão de condená-la. No pedido, a empresa pedia a
suspensão de todo o processo enquanto o TJ não julgasse esse recurso. Em
seguida, José de Arimatéia determinou o bloqueio em várias contas
bancárias da Marcopolo no valor de R$ 963 mil. O bloqueio, conforme
relataram os advogados ao CNJ, atrapalhou o dia a dia da empresa e
impediu o pagamento de fornecedores.
A empresa novamente
recorreu, dizendo que o processo pedia a entrega de veículo novo, não o
pagamento dessa quantia. De acordo com o relator do processo,
conselheiro Vasi Werner, José de Arimatéia ignorou os argumentos da
empresa e “simplesmente acolheu os valores” apresentados pelo perueiro.
No dia 23 de abril de 2009, o perueiro pediu a liberação dos R$ 963
mil. Apesar de o pedido não ter urgência e o processo não estar sequer
em seu gabinete, José de Arimatéia determinou a liberação imediata dos
R$ 963 mil sem intimar, como exigido por lei, a Marcopolo. Apesar da
confirmação pelo CNJ da irregularidade do processo, esse dinheiro não
voltará mais para a conta da Marcopolo.
Os problemas gerados pelo
juiz à empresa aumentaram com um novo processo e pelos mesmos fatos,
conforme o CNJ. Desta vez, Ferreira Júnior entrou com pedido de
indenização de R$ 20 mil por danos morais e materiais. O juiz José de
Arimatéia aceitou os argumentos do perueiro, mas elevou a indenização
para R$ 2,3 milhões por sua própria conta.
A decisão foi
classificada pelo CNJ de “desarrazoada e teratológica” e mostrariam que o
“o magistrado interpreta o direito posto ao seu exclusivo critério para
justificar decisões destituída de quaisquer fundamentos técnicos
sérios”.
Por conta de decisões como esta, o juiz José de
Arimatéia foi afastado do cargo pelo CNJ em 2010. A Marcopolo, com base
dessa decisão do Conselho, tentou anular as sentenças proferidas por
José de Arimatéia. Apesar de todos os indícios, o TJ manteve, por
unanimidade, as decisões suspeitas. Por conta disso, o corregedor do TJ
do Maranhão, Cleones Cunha, foi recentemente chamado para o gabinete da
ministra Eliana Calmon para uma conversa reservada sobre a situação do
tribunal.
Defesa. Afastado do cargo há dois anos
por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o juiz da 5ª Vara
Cível da Comarca de São Luís (Maranhão), José de Arimatéia, disse que a
celeridade que imprimiu aos processos é “dever do magistrado”.
Em
sua defesa, disse que “não há provas concretas” de que teria
envolvimento com os advogados que atuavam nos processos ou com as partes
beneficiadas.
Afirmou ainda que, apesar de todas as suspeitas
envolvendo a liberação de recursos milionários, suas decisões foram
acertadas. Prova disso, ele alegou, foi a manutenção de suas decisões
pelo Tribunal de Justiça do Maranhão. José de Arimatéia argumentou
também que todas as suspeitas envolvem decisões judiciais. Puni-lo por
decisões que ele tomou no âmbito dos processos seria violar o princípio
da independência do juiz.
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